Sexta-feira, 20 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 20 de dezembro de 2024
Se o cinema é o futebol dos Estados Unidos, Clint Eastwood seria o seu Pelé? Para muitos o maior cineasta americano vivo, Eastwood, 94 anos, é reconhecido por seu estilo clássico, elegante; e pela capacidade de fazer gols. É bastante impressionante a quantidade de acertos em uma carreira extensa, que chega ao seu 40 longa-metragem com “Jurado nº 2”. E o fato de seu mais recente filme ter tido um pequeno e rápido lançamento nos cinemas dos EUA, além de ter estreado diretamente para aluguel nos serviços de vídeo por demanda no Brasil, sem passagem pelas salas, diz muito sobre o atual estado do cinema.
Eastwood era um ator de faroestes televisivos decadentes quando foi escalado para ser estrela das releituras italianas do mais americano dos gêneros, os “western spaghetti”. Como protagonista da “trilogia do dólar” de Sergio Leone (“Por um Punhado de Dólares”, 1964; “Por uns Dólares a Mais”, 1965; e “Três Homens em Conflito”, 1966), Eastwood construiu uma persona “cool” que lhe conferiu alta popularidade mundial. Em 1971, estreou na direção com “Perversa Paixão”, no qual também foi protagonista.
Desde então, foram muitos filmes dos gêneros mais diversos, quase sempre alcançando um alto padrão. Eastwood atingiu seu ápice como diretor em 1992 com o faroeste crepuscular “Os Imperdoáveis”, que lhe garantiu o primeiro Oscar de direção e ganhou outros três (melhor filme, ator coadjuvante para Gene Hackman e montagem). O segundo Oscar de direção veio em 2005 com o melodrama “Menina de Ouro”.
Favorito da escola francesa de crítica, Eastwood participou cinco vezes da competição do Festival de Cannes e foi presidente do júri em 1994, quando “Pulp Fiction”, de Quentin Tarantino, levou a Palma de Ouro (mas é célebre a história dos bastidores de que seu favorito, na verdade, foi o russo “O Sol Enganador”, de Nikita Mikhalkov).
Concorreu à Palma com “O Cavaleiro Solitário” (1985); “Bird” (1988), biografia do saxofonista Charlie Parker; “Coração de Caçador” (1990); “Sobre Meninos e Lobos” (2003) e “A Troca” (2008). Em 2009, recebeu das mãos de um emocionado Jean-Luc Godard a Palma de Ouro honorária.
Para além desses títulos mais canônicos, ao longo dos anos 1990 Eastwood dirigiu uma série de filmes “menores” que na verdade são grandes — talvez maiores que os mais canônicos —, como o policial “Um Dia Perfeito” (1993), com Kevin Costner como um bom ladrão; “As Pontes de Madison” (1995), em que fez par romântico com Meryl Streep; o suspense “Poder Absoluto” (1997), com Gene Hackman como um presidente assassino e corrupto; e o fantástico “Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal” (1997), que já valeria pela linda homenagem ao compositor Johnny Mercer que abre o filme.
Eastwood construiu uma obra tão sólida graças a um entendimento profundo do funcionamento do sistema de estúdios hollywoodiano — era ao mesmo tempo uma estrela popular e um diretor capaz de dirigir produções baratas, planejadas, que dão bons resultados. Eastwood entra no set sabendo exatamente o que queria. Sempre teve um senso perfeito daquilo que Godard considerava a melhor qualidade de uma boa encenação para o cinema: intuir a melhor distância da câmera para filmar uma cena.
Graças a esse conjunto de qualidades, Eastwood ganhou um escritório fixo na Warner, onde tinha total liberdade para desenvolver projetos e escalar elencos, sempre de primeira. Não costuma escrever seus próprios roteiros e, nesse ponto, é mais dependente do talento de estranhos — alguns de seus resultados mais duvidosos, todos a partir dos anos 2010, trazem roteiros um tanto capengas (notadamente “J. Edgar”, 2011; “O Caso Richard Jewell”, 2019; e “Cry Macho”, 2021).
Com “Jurado nº 2”, por sorte, Eastwood conta novamente com um roteiro muito bem urdido e complexo. O filme é uma variação do clássico filme de julgamento de Sidney Lumet “Doze Homens e uma Sentença” (1957), sobre o processo de deliberação de um júri popular durante o julgamento de um crime de repercussão midiática. A diferença, aqui (e não cabe entrar em muitos detalhes, a preço de comprometer a experiência), é que o processo de transformação da opinião dos jurados pode estar contaminado por interesses pessoais.
Eastwood conta com um naipe de atores extraordinários (com destaque para Toni Collette como a procuradora, e J.K. Simmons como um dos jurados), sempre no tom certo, filmados com sobriedade, mas, ao mesmo tempo, envolvimento. Se, por acaso, for seu último longa como diretor — da atuação ele já se declarou oficialmente aposentado —, será uma bela despedida. As informações são do jornal Valor Econômico.