Uma nova pesquisa do Centro Universitário de Genética Humana da Universidade de Clemson (EUA) identificou agrupamentos de células específicas no cérebro da mosca-das-frutas comum afetados pela exposição aguda à cocaína.
A novidade estabelece potencialmente as bases para o desenvolvimento de drogas destinadas a tratar ou prevenir o vício em humanos. As descobertas foram publicadas na revista Genome Research.
Embora os efeitos neurológicos da cocaína sejam bem conhecidos, a sensibilidade genética subjacente aos efeitos da droga não é. Em populações humanas, a suscetibilidade aos efeitos da cocaína varia devido a fatores ambientais e genéticos, tornando seu estudo um desafio. Aproximadamente 70% dos genes da mosca-das-frutas comum, Drosophila melanogaster, têm homólogos humanos. Isso fornece aos pesquisadores um modelo comparável ao estudar características genéticas complexas.
A pesquisa colaborativa dos geneticistas Trudy Mackay e Robert Anholt descobriu que o uso de cocaína provoca mudanças rápidas e generalizadas na expressão do gene em todo o cérebro da mosca-das-frutas. As diferenças são mais pronunciadas em homens do que em mulheres.
Expectativa de terapia
Moscas expostas à cocaína apresentaram atividade locomotora prejudicada e aumento das convulsões. O estudo mostrou que todos os tipos de células cerebrais da mosca foram afetados, especialmente as células Kenyon nos corpora pedunculata da mosca e algumas células da glia. Os corpora pedunculata são centros cerebrais integrativos associados a modificações comportamentais dependentes da experiência. Essas descobertas podem futuramente levar à terapêutica.
“Esta pesquisa identifica as regiões do cérebro que são importantes”, disse Mackay. “Agora, podemos ver quais genes são expressos quando expostos à cocaína e se há drogas aprovadas pela FDA [a agência americana que regula remédios e alimentos] que poderiam ser testadas, talvez primeiramente na mosca como modelo. Já identificamos vários desses genes. Essa é uma linha de base. Agora podemos aproveitar este trabalho para compreender a terapia potencial.”
A pesquisa
No estudo, as moscas machos e fêmeas puderam ingerir uma quantidade fixa de sacarose ou sacarose suplementada com cocaína por não mais do que duas horas.
Os pesquisadores observaram seu comportamento após a ingestão de cocaína. Eles encontraram evidências de que a exposição à droga resulta em efeitos fisiológicos e comportamentais, incluindo convulsões.
Para avaliarem os efeitos do consumo de cocaína na expressão genética do cérebro, os pesquisadores dissecaram os cérebros das moscas e os dissociaram em células individuais. Foi usada uma tecnologia de sequenciamento de última geração a fim de fazer bibliotecas dos genes expressos para células individuais. Cada célula possui milhares de transcrições. O estudo analisou 88.991 células.
Técnica ultrapoderosa
Por meio de análises estatísticas sofisticadas, os pesquisadores puderam agrupá-los em 36 grupos de células distintos. A anotação de aglomerados com base em seus marcadores de gene revelou que todos os principais tipos de células – neuronais e gliais –, bem como tipos de neurotransmissores da maioria das regiões do cérebro, incluindo corpora pedunculata, estavam representados.
“Descobrimos que os efeitos da cocaína no cérebro são muito difundidos e há diferenças distintas entre homens e mulheres. Há um dimorfismo sexual substancial”, disse Anholt, professor de genética e bioquímica. “Construímos um atlas de expressão gênica modulada por cocaína sexualmente dimórfica em um cérebro modelo, que pode servir como um recurso para a comunidade de pesquisa.”
A técnica de célula única é ultrapoderosa e oferece vantagens impressionantes sobre os estudos de perfil de expressão gênica padrão.
“Se um cérebro inteiro for usado e houver heterogeneidade na expressão do gene, de modo que ele esteja acima em uma célula e abaixo em outra, você não verá nenhum sinal. Mas com a análise de uma única célula, conseguimos capturar detalhes muito, muito refinados que refletem a heterogeneidade na expressão gênica entre diferentes tipos de células. É muito emocionante aplicar esta tecnologia avançada aqui”, explicou Mackay.