Sexta-feira, 24 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 24 de setembro de 2023
De 2022 para cá, 4.681 municípios aumentaram os gastos com pessoal no primeiro semestre do ano, o que representa 84% das cidades do País. Esse aumento é crescente. A cada ano, o gasto com folha salarial nas prefeituras sobe. Em 2019, nas vésperas das últimas eleições municipais, a despesa era 46% menor do que atingiu agora. Na comparação com o primeiro semestre de 2022, o aumento foi de 16%.
Os municípios nunca receberam tanto dinheiro do governo federal, mas não têm atacado as principais necessidades da população. Um volume de recursos recorde que poderia reduzir significativamente as desigualdades no País. Mas o que os prefeitos estão fazendo com tanto dinheiro? Investindo em saneamento básico, escolas, saúde? Não. Estão contratando gente.
O prefeito de Araguainha, Francisco Naves (União), admite que o número de funcionários do município cresceu nos últimos 12 meses e está “chegando a 300”. Só nos primeiros meses deste ano, foram R$ 4,1 milhões para bancar os servidores, valor equivalente a 64% de todos os recursos que a prefeitura recebeu do governo federal no período.
A cidade não usa o dinheiro que recebe de Brasília para investir em saúde, educação e melhoria urbana. Araguainha não tem infraestrutura de asfalto, bueiro e calçada, segundo o IBGE. Só 5,5% da população tem esgoto tratado, não existe creche e, nas palavras do próprio prefeito, a única escola está “caindo aos pedaços”.
É em Araguainha que está o maior buraco aberto por um asteroide na América do Sul. Há mais de 200 milhões de anos, um meteoro caiu ali e formou uma cratera do tamanho equivalente a 140 campos do Maracanã. O governo tinha dinheiro, mas não desenvolveu um projeto para atrair turistas e pesquisadores. “A prefeitura está superlotada de funcionário. Não sobra dinheiro para nada”, diz o prefeito.
A conta do aumento de funcionários deve ficar para o governo federal. Naves avisa que chegará a Brasília no próximo dia 3 de outubro para pedir mais dinheiro à União. Ele fará parte de uma mobilização de quatro mil gestores municipais que alegam problema de caixa e chamam a romaria de “greve”.
Fatura
A queixa dos prefeitos encobre um dilema. Os municípios gastam cada vez mais dinheiro federal com folha salarial e querem quitar esse valor com recursos federais. Nos primeiros seis meses deste ano, as prefeituras gastaram R$ 208,5 bilhões com servidores públicos. O valor supera todo o repasse do governo feito para os municípios no período, que chegou a R$ 156 bilhões. Na prática, o gasto com funcionários das prefeituras é tão alto que o repasse da União já nem dá conta de pagar a fatura.
Enxugar a folha de pessoal é um dilema. Muitos prefeitos devem disputar a reeleição ou tentar eleger aliados para o comando das prefeituras. O que os políticos locais pedem é mais dinheiro para bancar obras e serviços que geram dividendos nas eleições, além de manter a máquina com servidores – vários deles contratados como meros cabos eleitorais.
“Se continuar desse jeito, ninguém ganha eleição e nem adianta ser candidato”, disse o prefeito da cidade goiana de Jaraguá, Paulo Vitor Avelar (União). Ele também participará da marcha para Brasília. A prefeitura da cidade aumentou os gastos com folha de pagamento em 14% no primeiro semestre do ano, atingindo R$ 43 milhões, enquanto a população ainda convive com um lixão a céu aberto.
Folha inchada
O País sustenta sete milhões de empregados na administração municipal atualmente, de acordo com dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A organização dos prefeitos estima que menos da metade (44%) sejam profissionais da saúde e da educação. Os municípios alegam que a União tem onerado as prefeituras com pisos salariais, planos de educação e leis em diversas áreas sem repassar dinheiro suficiente para arcar com as despesas. Ainda reclamam que foram proibidos de conceder reajuste salarial durante a pandemia e, agora, precisam compensar seus servidores.
As mesmas prefeituras que pedem dinheiro do governo federal levam até 30 anos para revisar os próprios impostos municipais, como o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), de acordo com os tribunais de contas dos Estados. “É muito cômodo para os municípios simplesmente receber recursos sem fazer o dever de casa”, afirma Alisson Diego Batista, professor de Administração da PUC Minas e secretário de Fazenda da cidade de Nova Lima (MG). “Muitos não cobram os impostos porque isso traz problemas eleitorais. Existe uma completa falta de planejamento, pouco compromisso com arrecadação própria e um discurso populista dos prefeitos.”