Quarta-feira, 26 de março de 2025
Por Redação O Sul | 23 de março de 2025
No fim de 2020, investigadores monitoravam as conversas de mafiosos do clã de San Luca da ‘Ndrangheta em um aplicativo criptografado quando chamou a atenção uma série de mensagens enviadas de um contato vindo do outro lado do Oceano. “Eu tenho o Brasil e o Equador, compá”, escreveu o italiano Vincenzo Pasquino, ostentando a sua influência como correspondente da ‘Ndrangheta na América Latina. Àquela época, o criminoso percorria cidades do litoral brasileiro, como Guarujá (SP) e João Pessoa (PB) em busca de selar parcerias com o Primeiro Comando da Capital (PCC) para escoar drogas e lavar dinheiro do tráfico. Em maio de 2021, ele foi preso pelas autoridades brasileiras. No ano passado, foi extraditado para o seu país de origem, onde fechou um acordo de delação premiada com a Justiça.
— Ele revelou detalhes sobre as conexões da máfia com facções criminosas brasileiras e esquemas de lavagem de dinheiro que sustentavam suas operações no Brasil. O impacto dessas ações conjuntas é significativo, pois atinge diretamente a infraestrutura criminosa utilizada pela máfia, tanto no tráfico de drogas quanto na lavagem de dinheiro — afirmou o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues.
Além de ver o país como uma rota estratégica no tráfico de drogas, os grupos criminosos são suspeitos de explorar de empresas fantasmas ao garimpo ilegal de ouro da Amazônia para lavar dinheiro ilícito e contam até com “concierges do crime” — brasileiros que se tornaram espécie de “faz tudo” dos traficantes transalpinos.
Reportagem do portal O Globo analisou mais de 3 mil páginas de relatórios de investigações de autoridades brasileiras e europeias que apontam que as máfias italianas movimentaram cerca de R$ 12 bilhões desde 2009 até então. Somente nos últimos dez anos, foram presos no Brasil pelo menos 25 italianos ligados a organizações criminosas como Cosa Nostra, ‘Ndrangheta e Camorra.
Segundo investigação da PF, um dos suspeitos de atuar como concierge da máfia italiana é Anselmo Limeira de Oliveira, um ex-assessor parlamentar da Câmara Municipal de João Pessoa, capital da Paraíba, que chegou a se candidatar a vereador no ano passado, mas não se elegeu. Seu nome consta como sócio de uma construtora que fechou contratos com o governo paraibano e a prefeitura de Queimadas (PB) entre 2017 e 2019. Segundo o inquérito, a empresa não possuía “funcionários ou local físico” e era utilizada para “lavar o dinheiro sujo do tráfico de drogas”. Procuradas, as defesas de Oliveira e dos órgãos públicos não se manifestaram.
A relação de Oliveira com a máfia italiana é conhecida pelas autoridades desde 2021, quando ele foi pego reunido com dois ilustres mafiosos da ‘Ndrangheta em um flat na praia de João Pessoa. Eram eles: Vincenzo Pasquino e Rocco Morabito, conhecido como o “Rei da Cocaína de Milão”, que, à época, era o segundo homem mais procurado da Itália.
Segundo as investigações, Oliveira fornecia documentos aos estrangeiros e fazia a intermediação com corretores de imóveis que despertavam o interesse de Morabito e Pasquino. Em mensagens interceptadas pela PF, ele também foi pego negociando a venda de armas e drogas. Paralelamente aos serviços prestados aos traficantes, Oliveira organizava campanhas políticas em comunidades de João Pessoa, indicava parentes para cargos na prefeitura da capital da Paraíba e pedia contratos na área de construção. “Se puder me ajudar com pequenos serviços, ficarei grato. Depois certamente entrarei nas licitações e pegarei outros serviços maiores”, diz ele em uma mensagem.
Em nota, a prefeitura de João Pessoa ressaltou que o prefeito e a primeira-dama — a quem ele enviava as mensagens — não são alvos do inquérito e não tinham “relação pessoal nem tampouco conhecimento sobre fatos da vida pregressa” de Oliveira, que já havia sido preso por tráfico de drogas.
“Diante do exposto constata-se que Anselmo seria para os estrangeiros uma “espécie de faz tudo”, sendo inclusive o responsável pela locomoção dentro da cidade, aluguel de apartamentos, flats e hotéis para hospedagem dos estrangeiros”, diz o relatório da PF, acrescentando que há “fortes evidências que comprovam a ligação de Anselmo com os estrangeiros, apontando desta vez para o tráfico de drogas, possivelmente internacional”.
Criptodoleiros
A prisão de outros dois concierges da máfia italiana no Paraná dão dimensão do modus operandi dos grupos no Brasil. A PF apontou que uma célula da ‘Ndrangheta utilizava os serviços oferecidos por William Barile Agati e Marlon Santos, presos durante a operação Mafiusi, em dezembro de 2024. Segundo as investigações, eles forneciam uma “complexa estrutura” de empresas e criptodoleiros usados para lavar o dinheiro do tráfico internacional de drogas e do PCC.
— Nessa seara, os criminosos só querem saber do lucro. Não há ideologia. Então, eles dividem esses ganhos e compartilham as estruturas — explicou o delegado da PF Eduardo Verza, responsável pela apuração e integrante da força-tarefa anti-máfia formada entre autoridades brasileiras e italianas. As informações são do portal O Globo.