A atual epidemia de febre oropouche no Brasil parece ser provocada pelo surgimento de uma nova variante do vírus, resultado de uma recombinação entre versões anteriores, aponta uma série de estudos sobre os casos no país. O mais recente foi publicado nessa quarta-feira (16) na revista científica The Lancet Infectious Diseases. O País vive em 2024 uma alta de 894% nos casos em relação ao ano passado.
O trabalho foi conduzido por pesquisadores de diversas instituições brasileiras, como Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade de Campinas (Unicamp), Ministério da Saúde e Universidade Federal do Amazonas (UFAM), além de cientistas internacionais de lugares como Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos, e Imperial College de Londres, no Reino Unido.
No artigo, eles concluem que a explosão de casos em 2024 “pode estar ligada a um novo vírus oropouche recombinante com maior capacidade de replicação”. As descobertas são consistentes com um estudo semelhante publicado em setembro na Nature Medicine, também por pesquisadores sediados no Brasil.
Em julho, uma reportagem já havia mostrado que grupos de cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do Laboratório Hermes Pardini/Grupo Fleury e da Fiocruz haviam identificado rearranjos genéticos no vírus que representavam mudanças no genoma maiores do que simples mutações.
Os dois novos estudos sugerem que essa nova versão do oropouche se reproduz mais rapidamente e é mais resistente à imunidade desenvolvida pelas pessoas após infecções anteriores.
No trabalho da Lancet, os autores escrevem que “achados preliminares enfatizam a imunidade protetora limitada contra o vírus oropouche e seus reassortantes (vírus que surgem a partir da troca de segmentos de RNA entre dois ou mais vírus), sugerindo que os indivíduos podem ser reinfectados e desenvolver doença clínica”.
Eles citam ainda que as descobertas mostram que o novo vírus “tem competência replicativa significativamente maior em células de mamíferos”. Ao analisar o surto de casos neste ano, observam que as populações das áreas afetadas podem estar “suscetíveis à reinfecção devido à capacidade reduzida de anticorpos neutralizantes contra as novas variantes epidêmicas”.
No estudo anterior, publicado na Nature Medicine, os pesquisadores brasileiros afirmaram que a nova variante do vírus “provavelmente surgiu no estado do Amazonas entre 2010 e 2014 e se espalhou por meio de eventos de dispersão de longo alcance durante a segunda metade da década de 2010”.
Saiba mais
A febre oropouche é uma infecção causada pelo vírus Orthobunyavirus oropoucheense (OROV) que se manifesta de forma semelhante à dengue e que é endêmica na região Amazônica. Neste ano, segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil registrou, até o último dia 13, 8.261 casos em 22 estados. O total revela uma alta de 894% em relação a 2023, quando foram 831 diagnósticos ao longo de todo o ano.
No final de julho, a pasta da Saúde confirmou também a ocorrência de duas mortes pela doença na Bahia, as primeiras no mundo ligadas à febre oropouche. As vítimas eram duas mulheres, de 21 e 24 anos, que não eram gestantes e não tinham comorbidades.
Transmissão
A febre oropouche é transmitida principalmente pelo mosquito Culicoides paraenses, conhecido como maruim ou mosquito-pólvora, na região amazônica. Nos locais silvestres, outros insetos que podem disseminar o patógeno são o Coquilletti diavenezuelensis e o Aedes serratus. Já em áreas urbanas, onde a circulação do vírus é menos comum, o mosquito Culex quinquefasciatus também atua como um vetor.
“Entre os sintomas, estão febre súbita, dor de cabeça intensa, dores nas articulações e nos músculos e, em alguns casos, erupção cutânea, fotofobia, diplopia (visão dupla), náuseas, vômitos e diarreia. Os sintomas podem durar de cinco a sete dias. A maioria das pessoas afetadas se recupera sem sequelas. Uma pequena proporção pode necessitar de várias semanas para recuperação completa. Em raras ocasiões, podem ocorrer casos graves com meningite asséptica”, explica a Opas.
Há testes moleculares que podem confirmar a doença. Um desafio, porém, é que a apresentação clínica é muito semelhante à de outras arboviroses, como dengue, zika e chikungunya. Isso, atrelado à falta de vigilância em muitos países, leva à “possibilidade de que os sistemas subestimem a frequência da doença”, alertou a organização.