A chegada de Cristiano Ronaldo ao Al Nassr representa não só uma grande contratação para o futebol da Arábia Saudita, mas também símbolo maior do sportswashing, uso estratégico e político do esporte para melhorar a reputação do país no mundo. A transferência de um dos maiores e mais famosos atletas das últimas décadas representa mais um passo no programa do governo saudita de limpar sua imagem.
Há pouco mais de um ano, o Newcastle, um clube médio, mas tradicional da Inglaterra, foi comprado por 300 milhões de libras (de R$ 2,2 bilhões na cotação da época) por um grupo liderado pelo Fundo de Investimento Público (PIF) da Arábia Saudita, administrado pelo príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, que adquiriu 80% das ações. Hoje, o clube, turbinado pelo forte investimento, ocupa a parte de cima da tabela do Campeonato Inglês após muitos anos ocupando do meio para baixo.
“O esporte não muda a geopolítica, mas ele ajuda a demonstrar qual caminho um determinado Estado quer seguir, auxilia o país a ser lembrado e de forma positiva, mais simpática”, explica Tanguy Baghdadi, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio.
Usar Cristiano Ronaldo como seu “embaixador” e comprar um clube na liga mais valiosa do mundo não foram as únicas estratégias da Arábia Saudita por meio do esporte para limpar a sua imagem nos últimos anos. O país sediou duas edições da Supercopa da Espanha e duas da Supercopa da Itália recentemente. Já recebeu outros eventos esportivos como GPs de Fórmula 1, Rally Dakar, Copa Diriyah de tênis, LIV Golf (torneio de golfe), Saudi Cup (corrida internacional de cavalos), amistosos entre Brasil e Argentina, além da luta entre os boxeadores Andy Ruiz Jr. e Anthony Joshua.
Messi
O jogo entre Boca Juniors e Barcelona em 2021 para homenagear Maradona, morto no ano anterior, foi em Riad. Em 2029, o país será a casa dos Jogos Olímpicos de inverno da Ásia pela primeira vez.
A Arábia Saudita também planeja ser sede da Copa do Mundo de 2030, mas disse que a chegada de Cristiano Ronaldo ao Al Nassr não está ligada à candidatura. “O Al Nassr FC gostaria de esclarecer que o contrato de Cristiano Ronaldo com o Al Nassr não implica compromissos com nenhuma candidatura à Copa do Mundo. Seu foco principal é Al Nassr, trabalhar para ajudar o clube a alcançar o sucesso.”
O país também receberá o amistoso entre o combinado do Al Hilal e Al Nassr contra o Paris Saint Germain, em jogo que reunirá Cristiano Ronaldo e Messi em campo, no dia 19.
Em maio do ano passado, o argentino visitou a Arábia Saudita para anunciar que seria o novo embaixador do turismo no país do Oriente Médio. Por meio de uma publicação paga em suas redes sociais, o craque exibiu uma foto com amigos em uma embarcação no Mar Vermelho. No mesmo post, Messi convida seus seguidores a visitarem a Arábia Saudita, que gerou revolta de internautas que relembraram a controversa atuação saudita com relação aos direitos humanos.
Planejamento
Em 2016, o governo saudita divulgou o plano estratégico “Visão 2030” para diminuir a dependência das exportações de petróleo, diversificando sua economia com grandes investimentos em outras áreas, como o esporte. O plano de Bin Salman também colocou em prática reformas sociais importantes, incluindo permitir a presença de torcedoras nos estádios de futebol.
Enquanto o príncipe tenta mostrar ao mundo que o país está mudando, organizações em defesa dos direitos humanos lembram dos graves problemas do passado e presente. Ele é acusado de ser o mandante do assassinato em 2018 do jornalista Jamal Khashoggi, crítico à família real saudita. Ele foi morto no consulado da Arábia em Istambul.
O uso político do esporte tem sido uma estratégia usada na região. Bin Salman viu os vizinhos Emirados Árabes e Catar se tornarem donos de Manchester City e Paris Saint-Germain, respectivamente, ganhando sucesso esportivo e maior projeção internacional. Quer fazer o mesmo.