Terça-feira, 08 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 7 de abril de 2025
Doutor em Ciência Política pela Universidade da Califórnia (EUA), Bolívar Lamounier fez parte da comissão de estudos que elaborou o anteprojeto da Constituição de 1988. De lá para cá, o texto constitucional recebeu mais de 130 emendas, e as engrenagens institucionais, avalia ele, foram desfiguradas, resultando em um sistema político “muitíssimo pior” do que o existente nos anos de 1990.
Para Lamounier, uma das razões para esse desmantelamento é o fato de a administração pública, em especial o Poder Judiciário, ter sido corroída pelo corporativismo. Questionado sobre a polarização que divide hoje o País entre apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ele diz que “o que vemos hoje é uma luta pelo poder entre dois ‘chefes’ populistas desprovidos de projeto para o País”.
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão:
1) O Brasil sempre teve divisões políticas. O que torna a polarização atual diferente das anteriores?
Tivemos dissensões de vários tipos. Elas ocorreram até sob o regime militar (1964-1985). Na Primeira República (1891-1930) a mais claramente ideológica foi a guerra civil ocorrida no Rio Grande do Sul em 1893-1895, contrapondo “maragatos” e “gaviões”. Em 1930, Getúlio Vargas aderiu a uma “revolução” à qual na verdade se opunha, ao perceber que seria um caminho curto para tomar o poder federal e instaurar um governo autoritário. A década de 1930 foi também o período em que surgiram duas organizações de caráter francamente totalitário, o comunismo de Carlos Prestes e o integralismo de Plínio Salgado. Um queria eliminar o outro e ambos o governo de Getúlio Vargas.
A dissensão mais grave foi a dos anos 1950, na qual se fundiram três elementos: 1) o virulento rancor contra o ex-ditador Getúlio, personificado pelo jornalista Carlos Lacerda; 2) o surgimento de complicado amálgama geralmente designado como esquerdismo, formando um amplo arco contra o qual o lacerdismo não teria chances no terreno eleitoral, o que agravava ainda mais a atmosfera de ódio; 3) a divisão de quase todo o mundo, Brasil inclusive, pela Guerra Fria. Podemos agora saltar para a radicalização que vem lavrando no Brasil desde as eleições de 2018 e 2022.
O que vemos hoje é uma luta pelo poder entre dois “chefes” populistas desprovidos de projeto para o País, colimando o poder pelo poder a fim de distribuir benesses a seus acólitos. A demonstração desta proposição é muito simples: Lula não liga a mínima para o partido que fundou, o PT. Este é que não se desgruda de Lula, porque sem a popularidade dele deixaria simplesmente de existir.
Bolsonaro, sem um mínimo de adestramento político, mantém-se na tona mercê de ameaças golpistas. Em comum, o que eles têm é uma inegável capacidade de captar a “condutibilidade atmosférica” da sociedade para a corrupção que campeia por toda parte, mais ainda na máquina do Estado; o rancor continuamente realimentado pelas desigualdades sociais; e, não menos importante, a virulência do antagonismo que cultivaram um contra o outro ao longo das últimas duas ou três décadas.
2) De que forma a polarização afeta o funcionamento das instituições democráticas?
O componente principal da atual polarização é o populismo, e, na América Latina, todo populismo é, por definição, hostil às instituições. O fim da polarização se dá no momento em que as lideranças mais importantes se põem de acordo para evitar conflitos fratricidas e encaminhar a luta política para o leito institucional, que não se resume a instituições formais – Constituições –, mas implica com igual importância o respeito pelo adversário eleitoral.
3) Há exemplos de países que superaram ciclos de polarização intensa sem rupturas institucionais? O Brasil pode seguir algum modelo?
“Polarização intensa” é a antípoda de “instituição”. Onde existe a primeira não existe a segunda. Os exemplos que podemos invocar são melhores que “evitar rupturas”, pois consistiram em “construir instituições”: Chile e África do Sul, principalmente.
4) Acredita que o Brasil manterá o atual modelo político nos próximos anos ou há tendência de uma mudança estrutural?
Com o PIB crescendo 2% ao ano e lideranças da estirpe de Lula e Bolsonaro, nós iremos primeiro – dentro de 15 ou 20 anos – para uma grande crise; antes disso, não vejo como visualizar uma tendência consistente de mudança estrutural.
5) A política brasileira pode superar o embate entre Lula e Bolsonaro ou essa disputa deve predominar?
Teremos eleições presidenciais em 2026. Uma hipótese seria um milagre: num “estalo de Vieira”, os dois decidem gozar suas merecidas aposentadorias, de preferência no exterior. Noutra, eles insistem no enfrentamento. (Com informações do Estado de S. Paulo)