Dos anos 1980, quando a maior parte das regras da Previdência Social foi estabelecida com a Constituição, até agora, a expectativa de sobrevida dos brasileiros avançou, mas não foi atualizada na reforma de 2019. Um estudo de pesquisadores da FGV sobre o gasto público com a Previdência mostra este como um dos fatores que tornam mais urgente uma nova revisão da idade mínima para a aposentadoria, que hoje é de 65 anos para homens e 62 para mulheres. A sobrevida de quem atinge essas idades avançou 3,6 e 5,3 anos, respectivamente.
A expectativa de sobrevida é um indicador diferente da expectativa de vida. Em vez de estimar até quantos anos, em média, as pessoas viverão logo após nascer, indica quanto tempo quem consegue ultrapassar determinada idade tem pela frente.
Entre as décadas de 1970 e 1980, a expectativa de sobrevida de um homem de 65 era de 77,9 anos, conforme estimou o estudo para um indicador para o qual o IBGE não tem parâmetros precisos para aquela época. Em 2022, era de 81,5 anos. No caso feminino, subiu de 78,2 para 83,5 anos.
Até 2019, essas referências serviam só para quem se aposentava por idade, sem comprovar o tempo mínimo de contribuição. A reforma extinguiu a aposentadoria por tempo de serviço e instituiu a idade mínima, mas a definição foi feita sem atualizar os índices de sobrevida, diz o estudo.
Tendência irreversível
O economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do FGV Ibre e coautor do trabalho com Luis Eduardo Afonso e Rodrigo Souza Silva, diz que o avanço da expectativa de sobrevida, positivo do ponto de vista do bem-estar, exige a elevação na idade mínima para se aposentar no INSS para impedir um crescimento ainda maior do rombo nas contas da Previdência.
Ele pondera que o envelhecimento da população, com menos jovens contribuindo, é um movimento irreversível ao qual a sociedade precisa se adaptar e compara o problema às mudanças climáticas:
“O campo autodenominado progressista sempre destaca que o que está acontecendo no meio ambiente é em função de erros e negligências dos últimos 30 anos, e que é necessário pensar no futuro nos próximos 30 anos. Se é verdade no caso da mudança climática, e é, por que não seria no campo previdenciário?”, questiona. Para ele, atualizar os cálculos de sobrevida e elevar ainda mais a idade mínima para a aposentadoria seria tão impopular no Brasil quanto em qualquer país, mas, para Giambiagi, o País ganharia no longo prazo.
Reajuste automático
Para Luis Eduardo Afonso, professor da FEA-USP, foi um erro a reforma de 2019 não ter introduzido um reajuste automático da idade mínima, ao longo do tempo, conforme a expectativa de sobrevida da população fosse aumentando. A medida estava na proposta original da equipe do então ministro da Economia, Paulo Guedes, mas acabou retirada da emenda constitucional aprovada no Congresso.
O demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), do IBGE, concorda que o envelhecimento é uma tendência global que se acelera em países emergentes, do Brasil à China, com aumento da longevidade e queda da fecundidade, e demanda adaptações.
Para ele, revisões na idade mínima de aposentadoria são inevitáveis. O especialista vê maior participação dos idosos no mercado de trabalho, e avalia que a legislação trabalhista poderia se adequar incentivando, por exemplo, jornadas de meio período.
O estudo publicado no site da FGV faz parte de uma série de artigos de Giambiagi sobre pontos que ficaram de fora da Reforma da Previdência de 2019. Além da elevação da idade mínima, ele defende acabar com a diferença de idade mínima entre homens e mulheres e mexer nas regras da aposentadoria rural e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos de baixa renda.
Para Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea e estudiosa do envelhecimento, reformas futuras da Previdência serão sempre insuficientes, diante da rapidez do aumento do contingente de idosos. Além disso, ela destaca mudanças estruturais na economia e no mercado de trabalho em curso, como o impacto de novas tecnologias e o surgimento de novos tipos de emprego, como os mediados por aplicativos, que reduzem ainda mais as vagas de trabalho formal e, consequentemente, as contribuições para a Previdência. As informações são do jornal O Globo.