Domingo, 09 de março de 2025
Por Redação O Sul | 7 de junho de 2024
Acendida pela faísca da troca de ofensas entre Luana Piovani e Neymar, a discussão em torno da PEC das Praias tem colocado em questão o gerenciamento e a preservação do ambiente costeiro. A Proposta de Emenda à Constituição, que tramita no Senado, autoriza entes privados a adquirir terrenos de marinha, que compreendem praias e contornos de ilhas.
Na conversa que se instaurou com a participação de membros do governo, contrário à proposta, e de famosos, a tônica tem sido uma possível privatização das praias, com consequências sociais, econômicas e ambientais para cidades costeiras em todo o País. O relator do projeto, Flavio Bolsonaro (PL-RJ), nega que haja privatização e diz que a proposta é facilitar o registro fundiário, negócios e a geração de empregos.
Mas, segundo o professor do Instituto Oceanográfico da USP e coordenador da Cátedra da Unesco para a sustentabilidade do oceano Alexander Turra, a PEC pode dar margem a um efeito diferente: o desaparecimento das praias.
Com a intensificação da ocupação das zonas costeiras e consequentemente da erosão, somada ao aumento do nível do mar, os empreendimentos que pretendem se beneficiar da mudança ajudariam a estreitar a costa ao longo de algumas décadas.
“Estamos arriscando perder um dos espaços mais democráticos do País. Ao privatizar esses terrenos e levar a esse processo de intensificação de erosão, de estreitamento da linha de costa e de desaparecimento das praias e manguezais, criaremos grande prejuízo para as futuras gerações, que não terão o privilégio de ser beneficiadas pelos serviços que esses ambientes prestam. Perder as praias significa também perder algo que está na música, no esporte, na espiritualidade. É basicamente perder a nossa brasilidade. Usamos a praia de um jeito diferente do resto do mundo, por questões culturais, ambientais e climáticas. Em muitos locais, a praia é usada como praça. Nós conectamos a praia com a água e essa conexão tem um simbolismo”, afirma Turra.
Segundo um relatório global sobre o estado dos oceanos divulgado pela Unesco neste mês, a taxa de aquecimento do oceano dobrou nos últimos 20 anos, acelerando o aumento do nível do mar e levando ao sufocamento de espécies marinhas pela redução dos níveis de oxigênio na água. Veja abaixo trechos da entrevista que Alexander Turra concedeu ao jornal O Estado de S. Paulo.
– O quanto o nível do mar já aumentou no Brasil e como isso se relaciona com as mudanças climáticas? “É um processo que está se intensificando. A maior série temporal de medida de maré que temos no Brasil está na base do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) em Cananeia. Temos um marégrafo que foi instalado há 70 anos e, entre 1954 e 2009, a elevação média foi de 4 mm por ano, resultando em um total de 22 cm em 55 anos. Os registros de 2010 adiante foram feitos em outro método e ainda estão sendo calibrados, mas indicam intensificação desse processo. Isso vem conjugado com o aumento da frequência e magnitude de eventos extremos como tempestades e marés meteorológicas, que aumentam os processos de inundação e de erosão da costa que já ocorrem independentemente da elevação do nível do mar e das mudanças climáticas.”
– Qual o impacto desse aumento para a costa brasileira? “Temos uma costa que passa dos 10 mil km², com áreas mais ou menos suscetíveis (a esse aumento). E isso diz respeito à capacidade destas áreas em lidar com esses fenômenos. Na história geológica do planeta, em períodos interglaciais, tivemos níveis do mar acima do que temos hoje. Nessas ocasiões, as praias e os manguezais que ocorrem na linha de costa não foram extintos porque migraram para dentro dos continentes. Com a redução do nível do mar, voltaram a ocupar áreas perto do que há hoje. Existe uma mobilidade desses ambientes que hoje está sendo bloqueada pelas construções, pelo processo de urbanização.”
– Nesse contexto, como vê a discussão sobre a PEC das Praias? “O grande problema associado à PEC é a intensificação de um processo de ocupação desordenada ou não apropriada na zona costeira. A consequência disso é um fenômeno chamado estreitamento da linha de costa. De um lado, a ocupação torna rígida essa região. E, do outro lado, a elevação do nível do mar. As duas coisas juntas fazem com que esses ambientes sejam estreitados, podendo inclusive ser extintos localmente. Um dos possíveis cenários decorrentes da aprovação da PEC é a eliminação de praias e manguezais da costa brasileira. É tornar privada uma área que tem de cumprir papel ambiental para que a gente continue tendo praias.”
– Com eliminação você quer dizer realmente o desaparecimento dos ecossistemas? “Isso. O desaparecimento desses ecossistemas nos locais onde não poderão migrar em resposta à elevação do nível do mar. Isso não vai acontecer em todas as praias, mas vai acontecer em muitas delas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.