O possível descumprimento da meta contínua de inflação nos seus seis primeiros meses de vigência não deve danificar a credibilidade do regime, segundo os economistas. É possível que sirva até para fortalecer o discurso do Banco Central (BC), que em setembro iniciou novo ciclo de alta na taxa básica de juro, na tentativa de domar a inflação. O mercado espera elevação da Selic (hoje em 11,25%) até 12,50% em março – mas há analistas vendo risco de o ciclo de alta ir além dos 13%.
“O argumento de ‘olhar para a frente’ do BC é muito plausível, ele está olhando o segundo trimestre de 2026, mas a inflação corrente alta acaba disseminando os efeitos. Esse movimento de inflação pressionada ajuda a justificar o ciclo de alta de juros”, diz a estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andrea Angelo.
O economista Homero Guizzo, da Terra Investimentos, diz que a dinâmica da inflação pode ameaçar a credibilidade do BC. A pressão nos preços tem vindo dos serviços, sensíveis à política monetária, e não de componentes menos preocupantes, como os preços administrados.
O mercado de trabalho apertado e a demanda forte, somados ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) já pressionado, podem fazer com que mais aumentos dos juros sejam necessários, diz.
“Nosso cenário-base é de Selic terminal (ao fim do ciclo de alta) de 13%, mas os fundamentos deixam claro que um aperto maior da Selic pode rapidamente se tornar o cenário-base”, afirma o economista.
Outra instituição financeira que passou a projetar uma Selic acima de 13% no ano que vem foi o Itaú Unibanco. O time de pesquisa macroeconômica do banco, liderado pelo economista-chefe Mario Mesquita, atualizou as expectativas e agora espera aceleração do passo a 0,75 ponto em dezembro e uma taxa no de 13,5% no fim do ciclo, em 2025, ante 12% na projeção anterior.
Recentemente, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, expôs a preocupação com a dificuldade de fazer a inflação no Brasil convergir à meta. “As expectativas são a parte que gera mais preocupação”, disse. A questão, segundo ele, é que a inflação implícita, a diferença entre as taxas de juros nominal e real, tem uma desancoragem grande.
Além dos desafios domésticos, o cenário externo piorou para as economias emergentes com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a perspectiva de um juro mais elevado do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Ainda que o BC diga que não há “relação mecânica” entre os juros básicos americanos e brasileiros, “é difícil ignorar” os movimentos do Fed nos Estados Unidos, pontua Leal de Barros, da ARX.