Domingo, 29 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 21 de novembro de 2017
Entrou em vigor nesta terça-feira (21) a nova Lei de Migração, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, legislação oriunda do regime militar que abordava a migração do ponto de vista da segurança nacional. Embora a nova lei seja considerada progressista, entidades de direitos humanos advertem que o decreto de regulamentação desvirtua a lei.
Diversos artigos do decreto de regulamentação, publicado nesta terça no Diário Oficial da União, são alvos de críticas da DPU (Defensoria Pública da União) e de organizações de defesa dos direitos dos migrantes. “O decreto tem aspectos claramente contrários à própria Lei de Migração, como a previsão de prisão do migrante que será deportado, quando o artigo 123 da lei expressamente proíbe privação de liberdade por razões migratórias”, diz Camila Asano, coordenadora de Programas da Conectas Direitos Humanos.
“A lei é um grande avanço e o decreto, com hierarquia inferior, não pode deturpá-la. O governo Temer não pode desconsiderar a construção do texto da lei, que se deu com ampla participação social por anos”, afirma.
A DPU encaminhou um documento pedindo 47 modificações. Uma das mudanças pedidas se refere à regulamentação da reunião familiar de solicitantes de asilo político – pelo decreto, os familiares precisam estar em território nacional. Na maioria das vezes, no entanto, solicitantes de asilo político chegam ao País sozinhos, em fuga. “Esperamos que o decreto a ser publicado acolha parte de nossas sugestões”, diz Gustavo Zortea da Silva, defensor público da União.
Visto humanitário
O decreto adia a regulamentação dos vistos e autorizações de residência por motivos humanitários, que eram grandes inovações da Lei de Migração. No artigo 36, o texto determina que um “ato conjunto dos Ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e Segurança Pública e do Trabalho definirá as condições, prazos e requisitos para emissão do visto”.
“Quando o decreto remete para atos complementares interministeriais, isso pode atravancar a lei, não é simples reunir vários ministérios e chegar a um consenso – e essas são questões urgentes, veja por exemplo o caso dos venezuelanos”, diz Silva. Até hoje, apenas haitianos e pessoas afetadas pela guerra da Síria foram beneficiadas por vistos humanitários. A nova lei abria caminho para sistematizar a concessão desse tipo de visto.
Em março, uma resolução do Conselho Nacional de Imigração ampliou o acordo de residência do Mercosul a cidadãos de países fronteiriços não pertencentes ao bloco, o que inclui os venezuelanos. O acordo permite residência temporária por até dois anos. Mas muitos dos mais de 30 mil venezuelanos que entraram no Brasil desde o início da crise no país vizinho não se candidataram à autorização de residência, por causa da exigência de apresentação de documentos em que conste sua filiação.
Segundo Asano, a filiação não consta no documento venezuelano de identidade, e muitos venezuelanos têm medo de ir até o consulado para pedir uma declaração consular. Por isso, eles entram com pedido de refúgio, que não exige documentação – mas a decisão pode levar anos e não há garantia de concessão. Segundo as entidades, esse é um dos motivos da urgência de regulamentação de vistos e residência por motivos humanitários.