Os integrantes da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) decidiram, por quatro votos a três, encerrar os trabalhos de investigação de crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil. A extinção do órgão tem aval do governo do presidente Jair Bolsonaro e ocorre a duas semanas da posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
O atual governo conta com maioria na comissão presidida pelo advogado bolsonarista Marco Vinicius Pereira de Carvalho. O órgão foi criado em 1995 com o objetivo de reconhecer pessoas mortas ou desaparecidas em razão de atividades políticas durante o regime militar e foi responsável, por exemplo, por entregar a parentes atestados de óbito das vítimas.
A decisão, antecipada pelo Estadão, deve agora ser publicada em decreto assinado por Bolsonaro. A proposta já estava nos planos da atual gestão federal desde junho, mas foi adiada após contestação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e do Ministério Público Federal (MPF).
Votaram a favor da extinção da comissão o presidente do colegiado, Marco de Carvalho; o representante da sociedade civil Paulo Fernando Melo da Costa; o representante das Forças Armadas, Jorge Luiz de Assis; e o deputado federal Filipe Barros (PL-SP), representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Foram contra o representante do MPF, Ivan Claudio Marx; a representante de parentes dos desaparecidos, Diva Soares Santana; e a representante da sociedade civil Vera da Silva Paiva.
Acordo
Fundada no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a comissão foi resultado de um acordo entre o então ministro da Justiça, Nelson Jobim, e o ministro do Exército à época, Zenildo Lucena. Tratava-se de cumprir o que estava nas disposições transitórias da Constituição Federal de 1988, reconhecendo a responsabilidade do Estado no desaparecimento e na morte de presos políticos.
Como a CEMDP foi criada a partir de uma lei federal, organizações que discordam do encerramento das atividades do grupo avaliam que existe a possibilidade de contestar a decisão judicialmente.
“Extinguir um órgão que está previsto na Constituição de 1988 e que foi criado por lei, além de uma grave violação à legislação brasileira, é mais um ato arbitrário e ilegal que fere a competência do Congresso”, escreveu, em nota, o Instituto Vladimir Herzog.
Segundo a norma legal, a Comissão é composta por sete membros indicados pelo presidente e tem o poder de solicitar documentos de órgãos públicos e perícias; além da colaboração de testemunhas e do Ministério das Relações Exteriores para obter informações que levam à localização dos restos mortais de desaparecidos.
O grupo que concorda com a extinção acredita que os esforços para encontrar os corpos podem ser assumidos pelo Estado, sem a necessidade de uma comissão específica. Opositores, porém, argumentam que essa é uma atribuição legal exclusiva do órgão, e que devem levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, em junho deste ano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, os ex-ministros da Justiça Nelson Jobim e José Gregori, e o ex-secretário de Estado de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro se disseram contrários à extinção do grupo.
“A CEMDP, instituição ímpar na história constitucional brasileira, deu notáveis contribuições, sob três governos sucessivos, à efetivação do direito à memória e à verdade. Mas, depois do início do governo Jair Bolsonaro, uma série de retrocessos levou à sua desmobilização”, escreveram. A recomendação da procuradoria do Direitos do Cidadão do (MPF) também é contrária ao fechamento do colegiado.
Transparência
Ao longo do trabalho do colegiado, surgiram relatos de militares e de policiais, além de documentos, que ajudaram a esclarecer dezenas de crimes, como o sequestro, a tortura, a morte e o desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva.
Também foi possível identificar na vala comum do Cemitério de Perus, em São Paulo, as ossadas de cinco desaparecidos políticos: Dênis Casemiro, Frederico Antonio Mayr, Flávio de Carvalho Molina, Dimas Antonio Casemiro e Aluísio Palhano Ferreira.