Com o processo de ratificação do acordo para a criação de uma zona de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) paralisado, a pressão da esquerda europeia para impedir que o entendimento saia do papel é cada vez mais intensa.
Na última segunda-feira (26), a Comissão Europeia, que tem a prerrogativa de submeter ou não o acordo ao Conselho Europeu e ao Parlamento para sua eventual confirmação e assinatura, indicou que o avanço do projeto que altera as regras do licenciamento ambiental no Legislativo brasileiro pesará em sua decisão.
A manifestação foi uma resposta a uma consulta do eurodeputado Miguel Urbán, líder do Anticapitalistas e membro destacado da bancada de esquerda no Parlamento da UE.
O órgão da UE assegurou que, se o Projeto de Lei 3.729/2004 for aprovado e “tiver um impacto negativo na proteção do meio ambiente”, como denunciam diversas ONGs, antes da entrada em vigência do acordo, “isso poderia influenciar a avaliação da Comissão sobre as condições adequadas para a apresentação do acordo para sua ratificação”.
Ou seja, se o projeto já aprovado na Câmara obtiver sinal verde do Senado brasileiro antes da assinatura do acordo entre Mercosul e UE, cenário mais provável, a Comissão Europeia deixou claro que seria criado mais um impedimento para o acordo avançar.
Na noite desta terça-feira (3), o texto-base de um outro projeto de lei que é muito criticado por ambientalistas foi aprovado na Câmara. É o PL 2.633/2020, que flexibiliza a regularização fundiária em terras da União.
Segundo ambientalistas, o “PL da grilagem”, como é conhecida a proposta, servirá como anistia a invasores de terra, já que autoriza o aumento de propriedades passíveis de regulamentação sem vistoria prévia, bastando a análise de documentos e a declaração de seu ocupante de que segue a legislação. O texto segue agora para o Senado.
Desde que as negociações entre Mercosul e UE foram concluídas, em junho de 2019, a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro se tornou a principal pedra no sapato do acordo comercial.
Em recente entrevista, o embaixador da UE no Brasil, Ignacio Ybáñez, afirmou que o Brasil “precisa reconstruir a confiança com resultados concretos em matéria de desmatamento”.
Licenciamento ambiental
O projeto flexibiliza o licenciamento ambiental e simplifica processos. Na visão de críticos da iniciativa, em discussão há 17 anos, o projeto pode aumentar a destruição de biomas, colocar em risco populações tradicionais, como os indígenas, e piorar ainda mais a imagem do Brasil no exterior.
Também se questiona o fato de que a fiscalização continuará sendo executada por órgãos enfraquecidos pelo governo, como o Ibama.
“Se esta lei for aprovada, desastres ambientais como Brumadinho serão a norma e não a exceção”, disse Urbán.
Segundo o eurodeputado, que fez recentemente duríssimas críticas ao governo Bolsonaro sobre a administração da pandemia, o PL “contradiz as cláusulas sobre meio ambiente do acordo entre Mercosul e UE”.
“As políticas do governo Bolsonaro contra o meio ambiente, os povos originários e os direitos humanos demonstram o que estamos denunciando há algum tempo. Com genocidas do meio ambiente, o que chamamos de ecocidas, como Bolsonaro não há nada a ser negociado”, assegurou o eurodeputado.
Dificuldades em 2022
Entre diplomatas brasileiros, existem baixíssimas expectativas de que o acordo entre Mercosul e UE seja ratificado antes de 2023. A explicação para traçar esse panorama de médio prazo é política: com eleições na Alemanha este ano e na França no começo de 2022, o crescimento dos partidos verdes é um claríssimo complicador para qualquer tipo de avanço.
Depois virão as eleições brasileiras e, em palavras de uma fonte diplomática, “nenhum europeu vai querer assinar um acordo que seria usado por Bolsonaro na campanha”.
A criticada política ambiental brasileira, disse outra fonte diplomática, “caiu omo uma luva para os interesses dos setores protecionistas europeus, que nunca quiseram o acordo”.