Quinta-feira, 02 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 30 de dezembro de 2024
Os insultos racistas de jogadoras do River Plate contra um gandula e as adversárias do Grêmio no Estádio do Canindé, em São Paulo, no dia 21, renovam uma triste pergunta, ainda sem solução no futebol: o que fazer para acabar com o racismo dentro de campo? Entre as medidas sugeridas por entidades e especialistas ouvidos pelo Estadão estão punições mais rígidas tanto na esfera esportiva quanto na penal.
Na primeira, a perda de pontos e mando de jogos para os clubes, suspensão e interdição dos estádios funcionariam como exemplos, com impactos diretos na carreira dos atletas e na vida dos torcedores. Na esfera penal, multas altas e prisão dos infratores podem diminuir os casos de discriminação. O racismo é crime previsto na legislação de diversos países, como violação de direitos humanos fundamentais. A lei penal pode mostrar que o racismo no esporte não é diferente do racismo em qualquer outro ambiente.
O ideal, ainda segundo os especialistas, é a aplicação complementar das duas esferas, já que têm objetivos e alcances diferentes. Isso pode ajudar a criar um ambiente mais seguro e respeitoso no esporte. Para prevenir novos casos, os estudiosos indicam programas de educação desde as categorias de base e políticas afirmativas envolvendo clubes, federações e patrocinadores.
O tema é urgente. Relatório anual da CBF e do Observatório da Discriminação Racial sobre a questão aponta que o número de incidentes racistas no futebol brasileiro subiu 38,77% na comparação com o ano anterior. Em 2023, foram registrados 136 casos ante 98 em 2022.
Nesse contexto, as primeiras providências adotadas após o episódio da semana passada representam avanços, na opinião do professor Marcel Tonini, pesquisador do Centro de Referência do Futebol Brasileiro do Museu do Futebol. “Tivemos punições esportivas e judiciais. Mas precisamos avançar mais”, diz. “É fácil punir esportivamente em uma competição que ‘pouco’ vale ou repercute. Será que isso ocorreria com o River Plate masculino na Libertadores? Duvido.”
Quatro atletas do time argentino foram presas após insultos racistas contra jogadoras do Grêmio e o gandula da partida no Canindé pelo torneio Brasil Ladies Cup. Na sexta-feira, a Justiça de São Paulo concedeu a liberdade provisória às atletas, que devem permanecer no Brasil e comparecer mensalmente em juízo. A defesa das quatro atletas afirmou que “este não é o momento do exame do mérito das acusações, porém, igualmente a prisão antes decretada não poderia subsistir, ante a ausência de razões a sustentá-la”. Esportivamente, o comitê organizador do Brasil Ladies Cup excluiu o time argentino do torneio atual e por mais duas edições.
De acordo com a legislação brasileira, o racismo é crime inafiançável e imprescritível. Quem comete esse crime está sujeito à prisão de 2 a 5 anos, além de multa. Essa pena também vale para injúria racial. E o futebol, como espelho e reflexo da sociedade, não deveria admitir nenhum tipo de preconceito ou segregação.
Ofensas de natureza racial são diferentes de xingamentos, provocações e ofensas, como explica o advogado criminalista e mestre em Direito pelo IDP Welington Arruda. “A ofensa racista ocorre quando a conduta inclui preconceito ou discriminação relacionados a raça, cor, etnia, religião ou origem. Esses atos têm um caráter discriminatório que ultrapassa o âmbito individual, atingindo valores fundamentais da sociedade, como a dignidade e a igualdade”, explica.
“Embora reprováveis, os xingamentos geralmente não carregam preconceito racial ou qualquer forma de discriminação. Podem ser enquadrados como injúria simples, com penas mais brandas, como detenção de 1 a 6 meses ou multa”, afirma ele.
Diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Medeiros Carvalho adota argumentação semelhante. “As denúncias ocorrem para que as pessoas percebam a gravidade do ato, para que o racismo não seja tolerado. Racismo é crime e ponto. E quem cometeu precisa ser punido.”
Atualmente o Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê multa ao torcedor que cometer crime de racismo nas praças esportivas, que vai de R$ 100 a R$ 100 mil. A pena pode se estender com a probabilidade de perda do mando de campo para o time do torcedor criminoso. Desde fevereiro do ano passado, a CBF instituiu punições desportivas por racismo em competições brasileiras. Atualmente, existe multa de até R$ 500 mil, perda de mando de campo, jogo com portões fechados ou retirada de pontos.
“É importante reforçar que, no caso de racismo ou injúria racial, a conduta transcende a esfera esportiva e representa uma violação aos direitos humanos, justificando respostas mais severas por parte da legislação”, afirma Arruda.
O Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003) prevê sanções específicas para condutas discriminatórias nos estádios, como a proibição de frequentar eventos esportivos por até 3 anos, além das penalidades criminais. O desafio é fiscalizar e manter o torcedor banido afastado dos estádios.
Entre outras medidas sugeridas por especialistas estão a paralisação do jogo em caso de manifestação racista, mesmo que vinda de apenas um único torcedor, a instalação de mais câmeras para a fiscalização e identificação de atos discriminatórios nas arquibancadas, como no sistema de Video Assistant Referee (VAR).
Antes de definir as medidas punitivas, Tonini defende a prevenção. “Falta educação aos atletas, desde as categorias de base, não só sobre o racismo, mas também em relação a outras formas de discriminação. Os clubes, federações e as ligas são responsáveis por essa prevenção, mas isso não é feito no País. Não adianta só punir o torcedor.” (Estadão Conteúdo)