Com a missão espinhosa de presidir neste ano o G20 — grupo das maiores economias do mundo — em meio a conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio e à maior crise climática da história, o Brasil optou por colocar no centro da agenda o combate à fome e à pobreza, bandeira que marca os governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Diplomatas brasileiros e de outros países concordam que foi uma boa estratégia trazer um tema mais agregador para a mesa de negociações, o que possibilitou a criação de uma iniciativa considerada inédita, por seu formato e peso político: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
A nova instituição é apontada como um raro exemplo de um impacto concreto do G20, que costuma se restringir a declarações de intenções dos seus membros — mas sua eficácia ainda será testada e dependerá, sobretudo, da capacidade de liberar recursos, ressaltou à reportagem o economista-chefe da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o peruano Maximo Torero.
A iniciativa pretende facilitar a implementação de políticas públicas já testadas com sucesso em diferentes países —como o Bolsa Família, programas de merenda escolar, agricultura familiar e microcrédito — em nações pobres ou de renda média baixa, que careçam de ações estruturadas nacionalmente.
Além disso, a aliança pretende ser um facilitador dos fluxos de financiamento, tornando menos burocrático o acesso desses países a recursos existentes em instituições financeiras multilaterais, como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, e outras fontes.
Programas
As primeiras metas anunciadas preveem a ampliação de programas de transferência de renda em países como Togo, Chile e Nigéria, com previsão de atingir 500 milhões de pessoas. Também está previsto dobrar a quantidade de crianças com acesso a alimentação escolar em países pobres, alcançando 150 milhões de alunos até 2030. Do outro lado, países como França, Alemanha e Noruega se comprometeram a apoiar financeiramente a expansão de refeições escolares.
Segundo dados da ONU, havia 733 milhões de pessoas famintas no mundo em 2023, um aumento de 152 milhões em comparação com 2019. A projeção atual é que, sem esforços adicionais, não será possível atingir o objetivo firmado em 2015 de zerar a fome global até 2030.
O lançamento da Aliança — que contará também com países e instituições de fora do G20 —será formalizado na segunda-feira (18), primeiro de dois dias da Cúpula de Líderes que ocorre no Rio de Janeiro.
As adesões à Aliança estão em curso desde que sua criação recebeu o apoio consensual do G20 em julho. Até essa sexta-feira (15), se tornaram membros 41 países, 13 organizações internacionais e instituições financeiras, e 19 organizações filantrópicas. Entre os membros confirmados estão Brasil, Estados Unidos, China, Egito, Japão, Alemanha, Angola, África do Sul, Bangladesh, Reino Unido, Portugal, Ruanda, Espanha e Irlanda.
Recursos
Os membros são aceitos após firmarem compromisso e podem participar de três formas: como financiadores, fornecedores de conhecimento (políticas públicas bem-sucedidas) ou como implementadores desses programas em escala nacional.
A FAO está apoiando a iniciativa e abrigará o escritório principal da aliança em Roma, mas a nova instituição terá atuação independente da ONU e do próprio G20. Os custos operacionais estão orçados em cerca de US$ 3 milhões (R$ 17,2 milhões) ao ano até 2030, e o Brasil se comprometeu a bancar a metade disso.
Estimativas da ONU indicam que é preciso mobilizar US$ 540 bilhões adicionais até 2030 para erradicar a fome no mundo. Uma das apostas do Brasil para ampliar os recursos disponíveis é o uso dos Direitos Especiais de Saque (DES) do FMI para empréstimos, medida que foi aprovada em maio pelo fundo, mas cuja implemantação é complexa e ainda está em andamento.
Incertezas
Para Maximo Torero, da FAO, a aliança é um mecanismo inédito ao juntar dois elementos: o fortalecimento do compromisso político das grandes economias com a agenda de combate à fome e à pobreza e um formato inovador de articulação entre boas práticas, fontes de financiamento e países que precisam dessas ações.
Torero reconhece, ainda, que “estava mais otimista duas semanas atrás”, antes de Donald Trump ser eleito como futuro presidente dos Estados Unidos, país que tem as maiores cotas no FMI e no Banco Mundial, com importante peso nas votações dessas instituições.
O governo atual, de Joe Biden, manifestou forte apoio à Aliança. Na visão do economista-chefe da FAO, não está clara qual será a posição do próximo presidente americano, que costuma ser avesso a coordenações multilaterais.