A guerra na Ucrânia e o temor do expansionismo russo levaram a Europa a rever suas estratégias de defesa e gastos com armas, aumentando os investimentos militares. Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), o crescimento vem batendo recorde.
A guerra acabou com o sonho de um continente pacífico e integrado sob a liderança da União Europeia. Esse cenário, aliado à necessidade de repor estoques de armas cedidos à Ucrânia, fez com que a Europa tenha liderado o ranking do Sipri.
O levantamento indica que 23 de 36 países europeus aumentaram seus gastos militares, seja para repor armamentos ou para fortalecer seus arsenais. O valor total dos investimentos chegou a US$ 345 bilhões (cerca de R$ 1,5 trilhão), um aumento de 3,6% na comparação com 2021.
Entre as grandes potências da Europa Ocidental, Reino Unido e Alemanha respondem pelos maiores aumentos. Londres ampliou o investimento em armas em 3,7% e Berlim, em 2,3%. No Leste Europeu, com a exceção da Ucrânia, cujos gastos cresceram 640%, os maiores compradores foram Polônia e Finlândia, que aderiu à Otan. Os poloneses registraram um aumento de 11%. Os finlandeses, de 2,4%. Quem também abriu os cofres foi a Lituânia, que gastou 2,5% a mais em armas que em 2021, o que reflete a ameaça de Putin contra as ex-repúblicas soviéticas do Báltico.
Alemanha
O maior exemplo dessa preocupação é a Alemanha. Em fevereiro, o chanceler alemão, Olaf Scholz, anunciou um investimento de 100 bilhões de euros em armas e modificou a estratégia de defesa do país para focar nas ameaças da Rússia.
“O que os números mostram é uma deterioração nas condições de segurança e na percepção que os países têm do mundo”, explica Diego Lopes da Silva, pesquisador do Programa de Despesas Militares e Produção de Armas do Sipri. “A gente tende a ver o surgimento de outros tipos de guerra, como guerras por procuração, de informação, interferência externa, guerras de desestabilização”, disse Mariana Kalil, professora da Escola Superior de Guerra.
Após o fim da Guerra Fria, o mundo se desarmou para níveis quase abaixo de US$ 1 trilhão. O clima era de otimismo, com a nova ordem mundial após a dissolução da União Soviética. “Este período foi marcado pelo clima de cooperação, de confiança nas instituições”, avalia Silva.
Mudança
Entre a queda do Muro de Berlim e a crise de 2008, o aumento dos gastos militares ficou restrito aos EUA, às voltas com guerras no Iraque e no Afeganistão.
“Washington concentrou os gastos militares e os demais países se sentiam seguros o suficiente para não precisar investir em defesa”, disse Mariana.
Com a invasão russa da Crimeia, em 2014, lentamente, uma nova corrida armamentista começou. “A invasão da Geórgia, em 2008, foi um indício de que a Rússia estava disposta a fazer algo do tipo, mas ainda não havia gerado uma resposta tão grande em gastos militares. Foi a anexação da Crimeia que provocou essa resposta”, afirmou Silva.
Muitos países, como Alemanha, França e Reino Unido, também aumentaram os seus “encargos militares”, ou seja, a fatia do PIB destinada à defesa, em um sinal de que o aumento dos gastos militares está apenas começando.
No mesmo evento em que anunciou um fundo especial para a defesa, Scholz prometeu gastar mais de 2% do PIB em armas – o mínimo exigido pela Otan. Desde o fim da Guerra Fria, Berlim mantinha esse número abaixo de 2%.
Fenômeno global
O mesmo aumento foi registrado em outras partes do mundo, como no Japão – que, assim como a Alemanha, mudou drasticamente sua estratégia de defesa –, bem como na Ucrânia e na Rússia, que puxaram a fila de gastos. Outros, como Dinamarca, promoveram um aumento gradual nos últimos anos.
“Os governos têm contado com diferentes métodos para financiar os aumentos nas despesas militares”, diz o relatório do Sipri. “A Dinamarca aboliu um feriado para aumentar a receita tributária para seus gastos militares, enquanto a Alemanha e a Polônia planejam usar a dívida como fonte de financiamento.”