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“Comunidades” do WhatsApp colocam em risco combate à desinformação

Ferramenta acende luz amarela para o disparo em massa de mensagens. (Foto: Reprodução)

O WhatsApp lançou no Brasil a ferramenta Comunidades, que permite que usuários possam agregar grupos de mesmo tema sob uma mesma aba. Com quase um ano de atraso — a ferramenta foi disponibilizada globalmente em novembro do ano passado — o recurso gera preocupação em especialistas, principalmente pela capacidade de comunicação massiva com até 5 mil pessoas ao mesmo tempo.

Para Bruna Santos, integrante do coletivo Coalizão na Rede, a ferramenta é um passo atrás na atuação do app no Brasil, que implementou medidas de controle de compartilhamento após as eleições presidenciais de 2018.

“Apesar de importante ver que a empresa esperou o fim do processo eleitoral para implementar a funcionalidade, o timing é bastante infeliz porque desconsidera que plataformas como WhatsApp e Telegram seguem sendo instrumentos para disseminar conteúdos golpistas e antidemocráticos. É um passo atrás porque coloca basicamente nas mãos dos moderadores dessas comunidades a chance de transmissão de maneira muito rápida”, diz Bruna.

Na ocasião do anúncio global, em abril de 2022, o WhatsApp afirmou que só disponibilizaria o recurso no País depois das eleições presidenciais do ano passado. A medida foi tomada pela empresa em meio a uma série de conversas com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando outras empresas de tecnologia também estavam em contato com o órgão para discutir a viralização de conteúdos falsos.

Agora, o lançamento ocorre em um momento em que a Meta, holding do WhatsApp, Facebook e Instagram, classifica o Brasil como “um local temporário de alto risco”, denominação que coloca o País em alerta dentro da empresa. Dentro desse estágio, a plataforma pode retirar conteúdos que incitem a violência e, no caso de 8 de janeiro, que convoquem atos golpistas e antidemocráticos de forma mais ampla, segundo um comunicado emitido pela própria Meta.

Porém, a companhia fundada por Mark Zuckerberg demorou para agir durante os dias que antecederam a invasão de Brasília — grupos bolsonaristas se articularam em mensageiros, como o WhatsApp e o Telegram. Em ambos, o Estadão teve acesso a mensagens que circulavam informando que uma série de “benefícios”, como transporte e alimentação, na capital seriam fornecidos gratuitamente para quem fizesse parte dos ataques.

Assim, o que preocupa agora é que a Meta possa estar aplicando diferentes regras para seus serviços — ou seja, que o conteúdo golpista que circula no Facebook seja tratado com mais velocidade que aquilo que está no WhatsApp.

“O WhatsApp e as outras plataformas (da Meta) podem ter regras diferentes, mas a companhia concluiu que o Brasil passa por um momento extraordinário que justifica restrições que não são feitas em geral. O WhatsApp não pode ignorar essa realidade”, explica Artur Pericles Monteiro, pesquisador no Yale Information Society Project.

“Até 31 de janeiro, nós temos um ato oficial pelo qual o presidente da República e o Congresso reconhecem uma situação de ‘grave comprometimento da ordem pública’. Então, o que antes era risco potencial, agora é prejuízo realizado”, afirma Monteiro.

Depois da invasão de Brasília, mensagens com o mesmo teor golpista continuaram circulando pelas redes. De acordo com uma nota publicada pela Meta, medidas estavam sendo tomadas para retirar e bloquear os conteúdos — além de grupos, no caso do WhatsApp — que tivessem discurso de desinformação.

Pressão

Para Francisco Brito Cruz, diretor executivo do InternetLab, a concorrência do WhatsApp com outros aplicativos que permitem uma comunicação mais numerosa, como Telegram e Discord, ajuda a entender a razão pela qual a empresa não adiou novamente o lançamento do Comunidades.

“Já estão disponíveis no Brasil apps que permitem alcance infinitamente maior pela sua arquitetura. Entre eles o Telegram, que tem penetração de quase 50% nos celulares. É necessário ter cautela, mas acho que é necessário ter em mente que os competidores do WhatsApp estão rodando no País normalmente com ferramentas muito mais poderosas”, explica Cruz.

Ainda assim, a ferramenta levanta um debate sobre como será o seu uso no Brasil, uma vez que o app é o mensageiro mais popular por aqui. Na visão de Cruz, essa reação vai passar, também, pelo crivo do principal alvo do WhatsApp na história: os usuários.

“Obviamente, é papel da sociedade civil e também da academia acompanhar o uso da ferramenta para notar se ela será chave para novos atos golpistas e, assim, pensarmos em medidas de mitigação”, afirma Cruz.

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