Mais de 40 anos após o início das obras, e depois de várias interrupções ao longo de décadas, a construção da usina nuclear de Angra 3, no litoral fluminense, pode ser retomada. Iniciado em 1981, ainda sob o regime militar, no governo do presidente João Figueiredo, o projeto pode ser resgatado, no que depender da intenção do ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira, apesar dos altos custos envolvidos tanto para a conclusão da obra como para os consumidores, por causa do preço da geração de energia nuclear.
Estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) concluiu que a construção da usina de Angra 3 pode fazer com que os brasileiros paguem até R$ 61,5 bilhões a mais nas contas de luz por um período de 40 anos. O estudo compara o custo da energia que seria gerada pela usina em relação a outras fontes disponíveis no País.
Apesar do alto impacto para o consumidor, o ministro Alexandre Silveira já afirmou que tem uma visão “intransigente” sobre o assunto, a favor do término da obra. A decisão sobre a usina está na pauta da próxima reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), prevista para este mês.
No estudo, a EPE – empresa pública que presta serviços ao Ministério de Minas e Energia – fez várias simulações de impacto entre 2031, quando a usina entraria em operação, e 2071, ao término do contrato de concessão. Procurada, a EPE disse que o estudo está sob sigilo e não pode comentar. Já o MME confirmou que a decisão sobre a construção da usina está na pauta do CNPE.
A premissa do estudo é de que o custo de energia de Angra 3 será de R$ 653,31 o megawatt-hora (MWh), cálculo feito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), levando em conta tudo que já foi gasto na obra e o que precisará ser pago para a conclusão do projeto.
Esse número é comparado ao custo de outras fontes de energia. Em todas as simulações feitas com fontes disponíveis no Brasil, o consumidor pagaria a mais, com contas que vão de R$ 21,09 bilhões a R$ 61,55 bilhões em 40 anos.
O estudo da EPE servirá de embasamento para a decisão do CNPE, que é presidido pelo ministro Silveira e conta com a participação de diversos ministérios, entre eles a Casa Civil e o Ministério da Fazenda. O documento, ainda sigiloso, mostra os impactos.
Comparado aos custos referentes à energia gerada pelas termoelétricas a gás, o excedente chegaria a R$ 21,09 bilhões na conta de luz, entre 2031 e 2071. Nesse caso, o estudo leva em conta o preço obtido nos leilões realizados para contratar termoelétricas a gás, que tiveram preço médio de R$ 468,09 o MWh. Essa comparação é considerada a mais coerente em relação à nuclear por interlocutores do setor ouvidos pela reportagem, já que as termoelétricas podem gerar energia “firme”, durante 24 horas por dia, assim como as usinas nucleares.
No caso da comparação feita com o chamado Ambiente de Contratação Regulada (ACR), que é o custo referente às distribuidoras de energia, o excedente subiria para R$ 34,69 bilhões no período de 40 anos. Isso porque o custo médio nessa modalidade foi fixado em R$ 348,72 o MWh em 2023.
Na comparação com as usinas nucleares Angra 1 e 2, o custo excedente chegaria a R$ 34,83 bilhões em quatro décadas. Segundo o estudo da EPE, as duas usinas têm preço médio de R$ 347,50 o MWh.
Custos do abandono
O BNDES calculou que o custo para o abandono do projeto é de R$ 21 bilhões, muito próximo ao valor estimado para a conclusão, de R$ 23 bilhões. Sem finalizar a obra, haveria prejuízo de R$ 9,2 bilhões em financiamentos já concedidos pela Caixa e pelo BNDES, R$ 2,5 bilhões com rescisão de contratos, R$ 1,1 bilhão com devolução de incentivos fiscais, além de R$ 940 milhões para desmobilização de obras e R$ 7,3 bilhões de custo de oportunidade sobre o capital investido.
Especialistas, contudo, explicam que, no caso do abandono, o prejuízo não seria arcado pelos consumidores de energia, mas pelas empresas envolvidas no projeto. No caso da conclusão, o custo seria repassado para a conta de luz.
Para o presidente da Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, a conclusão da usina, com a obrigação de compra da energia pelos consumidores, seria o equivalente à criação de um novo “encargo” para custear o desenvolvimento da indústria nuclear no Brasil. (Estadão Conteúdo)