Domingo, 27 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 16 de dezembro de 2019
No dia 2 de dezembro, o procurador da República Deltan Dallagnol entrou com uma ação na Justiça Federal no Paraná contra a União. Ele pede uma indenização de R$ 59 mil por danos morais, supostamente provocados por falas do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal). O caso está agora a cargo do juiz federal substituto Flávio Antônio da Cruz, da 11ª Vara de Curitiba.
O processo relaciona entrevistas e discussões no plenário do STF nas quais Mendes chama Deltan e os outros integrantes da Lava-Jato de “cretinos”, “organização criminosa” e “covardes”.
Mas qual é a origem da cizânia entre Gilmar Mendes e a Lava-Jato, que chega agora à barra dos tribunais?
Críticos do ministro (inclusive colegas de Deltan) dizem que ele passou a atacar a operação no fim de 2016 e no começo de 2017 – e atribuem a suposta mudança de posição ao fato de a investigação ter extrapolado nomes do PT e alcançado políticos de centro e de direita, no MDB e no PSDB.
O ministro do STF nega esta versão. Em entrevista recente à BBC News Brasil, Mendes disse que uma suposta mudança de posição sua em relação à Lava-Jato é “lenda urbana”. Ele afirma que sempre foi crítico de técnicas empregadas pelos investigadores de Curitiba, como o uso de prisões preventivas.
Ainda segundo procuradores, a disposição do ministro com a Lava-Jato teria piorado no episódio da delação de Joesley Batista, em maio de 2017 – o que o próprio Gilmar admite. O episódio envolvendo Joesley foi “marcante”, diz ele, e a delação do empresário foi homologada de forma “ilegal”.
Outro fator de desgaste teria sido a relação de Gilmar com o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot – o ex-PGR, inclusive, costumava rebater falas de Gilmar no plenário do STF durante reuniões privadas com outros procuradores.
A BBC News Brasil procurou Gilmar Mendes por meio de mensagens de texto, mas ele não fez novos comentários até o momento.
‘Virou a chave’
“Gilmar virou a chave (contra a Lava-Jato) porque não esperava que (a investigação) chegasse no PSDB e no PMDB. Isso é claro”, diz à BBC News Brasil um procurador próximo ao caso, sob condição de anonimato.
“Numa entrevista dele (Gilmar) isso ficou claro. Referindo-se ao dinheiro que o PT tinha da corrupção, ele fala ‘eles’, como se fossem opositores”, diz o procurador. Ele se refere a uma declaração do ministro em setembro de 2015, na qual Gilmar diz que as investigações revelaram “um modelo de governança corrupta” de parte do PT.
Segundo o procurador, a Lava-Jato começou a chegar a atingir políticos de outros partidos com mais força no fim de 2016 e no começo de 2017. Outro investigador reafirma a tese.
Os ataques de Gilmar começaram quando percebeu-se que a Lava-Jato “não era simplesmente contra o PT, mas contra uma forma de fazer política, da qual ele é um representante. Como começamos a ir atrás de corrupção de Aécio e Cabral, houve a mudança”, sustenta um segundo procurador, também sob anonimato.
Em novembro de 2016, o próprio Supremo Tribunal Federal homologou a delação premiada de executivos da empreiteira Odebrecht, na qual diversos políticos da cúpula do PSDB são mencionados.
Uma das principais acusações dos executivos era a de que a empreiteira teria custeado despesas de campanha do hoje senador José Serra (SP), em 2010 – o que o tucano nega.
Outro antigo cacique da legenda, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, aparece nos arquivos da empreiteira sob o codinome “Santo”.
Gilmar Mendes nega esta interpretação. No começo de outubro, a BBC News Brasil questionou o ministro sobre o assunto – ele diz que é “lenda urbana” a mudança de posição sobre o tema.
Em maio de 2017, mais um episódio fez Gilmar elevar o tom contra a Lava Jato, segundo procuradores: veio a público a colaboração de Joesley Batista, envolvendo diversos políticos de vários partidos.
O episódio ficou célebre graças a uma frase dita pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) a Joesley Batista, durante um encontro dos dois no Palácio do Jaburu em Brasília, fora da agenda oficial.
Revelações e investigação
Se Gilmar Mendes já estava irritado com a Lava-Jato, dois acontecimentos em 2019 contribuíram para que o ministro se tornasse ainda mais crítico da operação: o vazamento de uma investigação da Receita federal e reportagens publicadas como parte da série que ficou conhecida como Vaza Jato, iniciada pelo site The Intercept Brasil.
Em fevereiro deste ano, um vazamento Receita Federal trouxe a público um procedimento que mirava o próprio Gilmar e também sua esposa, a advogada Guiomar Mendes.