Às margens do rio Tâmisa, em Londres, a velha usina termelétrica de Battersea ganhou fama depois de se tornar capa do álbum “Animals” (1977), da banda Pink Floyd. Por décadas, o imenso edifício emblemático, um dos cartões-postais da capital, transformou-se em uma casca. As paredes que restaram da construção erguida em 1929 enfeitavam a cidade para quem as enxergava do outro lado do rio. Mas eram um problema à medida que suas estruturas iam se tornando frágeis com a ação do tempo e a área do entorno, um grande desperdício de dinheiro em um dos metros quadrados mais caros do mundo.
Depois de altos e baixos, o prédio será hub de serviços, apartamentos residenciais e shopping center. O projeto custará 9 bilhões de libras (cerca de R$ 48 bilhões), investimento de um grupo bilionário da Malásia e Cingapura, e levar alguns anos.
Na semana passada, a mansão de um milionário árabe, com 45 quartos e vista para o Hyde Park, foi vendida a outro milionário, um chinês que pagou 210 milhões de libras (pouco mais de R$ 1,1 bilhão) pelo prédio. É agora o imóvel mais caro da cidade. O novo dono ainda não sabe se vai morar ali ou transformar a propriedade em uma porção de apartamentos caríssimos em um dos endereços mais nobres da cidade.
Os famosos “black cabs”, os táxis pretos que desfilam pelas ruas de Londres, são fabricados por uma fábrica alemã e outra chinesa. Já os ônibus de dois andares, outro símbolo da capital, são administrados por uma estatal francesa.
A capital britânica é tradicionalmente conhecida pelo caráter cosmopolita e plural.
Dinheiro e cérebros de fora têm sido fundamentais para que Londres se mantenha crescendo em ritmo bem mais acelerado do que o resto do país. Desde o século XVII, os estrangeiros fazem parte da sua história. Nas escolas da cidade, atualmente, são falados nada menos do que 300 idiomas, mostra o Museu de Londres.
E não é preciso estar em torno das áreas mais turísticas para ouvir esses idiomas. Cerca de 41% da população local é nascida fora do Reino Unido. A cidade também se tornou uma das capitais da União Europeia (UE), onde vivem 1,1 milhão de cidadãos europeus não britânicos. Trata-se do maior conglomerado de cidadãos europeus não nativos da UE. “Uma cidade ‘Europolita’”, nas palavras do professor Nando Sigona, vicediretor do Instituto para Pesquisas em Superdiversidade da Universidade de Birmingham.
Esse perfil ajuda a explicar por que os londrinos votaram maciçamente (60%) pela permanência do Reino Unido no continente, no plebiscito de junho de 2016, em que o país decidiu por deixar o seleto clube da UE. A população londrina discorda do Brexit, que, se tudo sair dentro do script do primeiro-ministro conservador Boris Johnson, ex-prefeito da capital, ocorre no dia 31.
Isso explica em boa medida os motivos da capital para votar no Partido Trabalhista na eleição geral, em dezembro (que ficou com 49 dos 73 assentos da capital no Parlamento britânico). O divórcio da UE deve lançar a cidade em um voo solo para tentar se diferenciar do resto país, que parece ver responsabilidade do continente nas suas agruras.
Eleito um mês antes do plebiscito, o atual prefeito trabalhista, Sadiq Khan, primeiro muçulmano a ocupar o posto, manteve-se em campanha contra a saída da UE nestes pouco mais de três anos. Desde então, investe na imagem da capital aberta de sempre, uma marca registrada para os trilhões de dólares em investimentos que passam pela
City, tradicional centro financeiro da cidade, com os seus emblemáticos arranha-céus de donos estrangeiros.
O prefeito sabe que todos querem estar onde as coisas acontecem. Ou onde o dinheiro está. Assim tem sido a história de Londres, a cidade britânica que, sozinha, representa 23% da economia do país. Construída por milhões de mãos britânicas e estrangeiras, é 41% mais rica do que a média nacional. O perfil da capital se encarregou de distanciá-la do resto do país de certa maneira. Mais de 30% da população diz que acapital contribui para a economia do Reino Unido, mas não reconhece que faça o mesmo para a economia do seu entorno, segundo pesquisa do instituto Yougov. A desigualdade entre Londres e as outras regiões britânicas está na lista de motivos para que os eleitores que se sentiram deixados para trás votassem pelo Brexit.
A capital tem pela frente o desafio de construir uma nova imagem que reforce o tradicional desejo por abertura do qual o restante do Reino Unido mostrou desconfiança nas urnas. Para que a hashtag #londonisopen (“Londres está aberta”, que a prefeitura tem estampado em outdoors e enviado aos residentes pelas redes sociais) continue a fazer sentido, os grandes setores econômicos estabelecidos na cidade têm de entender que as portas continuam abertas. Muitas empresas, bancos e seguradoras mudaram de endereço. Não viram mais em Londres as portas de entrada não apenas para o Reino Unido, mas para a União Europeia. Gastaram em planos de contingenciamento e migração de funcionários cerca de 4 bilhões de libras.