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Conheça as mulheres ordenadas padres que enfrentam o Vaticano e a ameaça de excomunhão

Tropeano é uma entre mais de 200 mulheres em todo o mundo que fazem parte do movimento pelas mulheres padres da Igreja Católica. (Foto: Anne Tropeano/via BBC)

Anne Tropeano está passando suas roupas, preparando-se para o dia atribulado que tem à sua frente. Ela pega sua alva e sua casula delicadamente bordada – vestimentas usadas pelos padres católicos em todo o mundo. Em um calendário preso na parede, lê-se a anotação em caneta vermelha: amanhã é o “dia da ordenação”.

Mas ela também está ao telefone contratando um segurança para o serviço em uma igreja de Albuquerque, no Novo México (Estados Unidos), onde ela mora. Tropeano imagina que pode haver hostilidade. “É uma questão tensa. Nem todos estão abertos nem mesmo a considerar a possibilidade de que as mulheres sejam convocadas ao sacerdócio”, afirma ela.

Tropeano não está apenas preocupada com o assédio pessoal. Ela conta que, desde que tornou pública sua esperança de tornar-se padre da Igreja Católica, vem sofrendo “impressionante” assédio online.

Tropeano é uma entre mais de 200 mulheres em todo o mundo que fazem parte do movimento pelas mulheres padres da Igreja Católica, um grupo que participa de serviços de ordenação não autorizados para tornar-se padres, em ato que desafia a Igreja Católica Romana.

A Igreja Católica não permite que mulheres sejam padres. Na verdade, o Vaticano considera a ordenação de mulheres um crime sério, passível de excomunhão pelo direito canônico. Isso significa que as mulheres que participarem de uma “ordenação” ficam impedidas de receber os sacramentos, incluindo a comunhão, ou de ter funeral realizado na igreja.

“A excomunhão foi a razão que me impediu de cogitar ser padre por muito tempo”, afirma ela. “Eu ia à missa todos os dias. Eu trabalhava na paróquia, toda a minha vida estava na igreja. Pensar em desistir daquilo – eu não conseguia nem imaginar.”

Tropeano é católica devota. Depois de anos em outros trabalhos, incluindo o de gerente de uma banda de rock, ela sentiu o chamado para o sacerdócio. “Eu podia ouvir, ‘você é meu padre, você é padre, eu quero que você seja padre’.”

A única opção em aberto para ela, como mulher, seria servir à igreja em outra função – como freira ou colaboradora leiga da sua diocese. Ou ela poderia abandonar totalmente o catolicismo em favor de outra denominação cristã que a recebesse como sacerdote.

Depois de anos de ponderação pessoal, ela percebeu que as limitações das regras do Vaticano não permitiriam que ela atendesse o seu chamado. “Quando reconheci que este era o próximo passo, a excomunhão era apenas parte da jornada”, segundo ela.

Tropeano e outras mulheres como ela também consideram que sua decisão de serem “ordenadas” é uma forma de ativismo contra o que elas consideram uma norma sexista da Igreja Católica.

Do Judaísmo Reformista até muitas denominações protestantes, outras religiões estão abertas à ordenação das mulheres. Mas, para a Igreja Católica, a proibição do acesso das mulheres ao sacerdócio baseia-se, entre outros argumentos, nos registros bíblicos de que Cristo escolheu 12 homens como seus apóstolos. Desde então, a Igreja Católica decidiu imitar Cristo.

Mas, para Tropeano, essa regra tem consequências mais amplas.

“Pelos ensinamentos da Igreja, com suas ações de excluir as mulheres da ordenação, ela está ensinando que as mulheres são inferiores. As mulheres aprendem isso, as crianças aprendem isso, os homens aprendem isso… e eles vão para o mundo e vivem dessa forma”, afirma ela.

O movimento das mulheres padres ganhou visibilidade em 2002, quando um grupo de sete mulheres participou de um serviço de ordenação não aceito pela Igreja Católica, a bordo de um navio no rio Danúbio – em águas internacionais, para evitar conflito com qualquer região eclesiástica.

Houve ainda relatos de “ordenações” secretas anteriores, como a de Ludmila Javorova, na antiga Checoslováquia. Durante o regime comunista nos anos 1970, ela participou de um serviço conduzido por um bispo da Igreja Católica.

Atualmente, o movimento de ordenação das mulheres concentra-se principalmente na Europa e nos Estados Unidos, mas seus defensores já se expandiram para outras partes do mundo.

A colombiana Olga Lucía Álvarez Benjumea foi a primeira mulher padre da América Latina. A região é um bastião da Igreja e reúne mais de 40% da população católica mundial, de 1,3 bilhão de pessoas.

Sua cerimônia, em 2010, foi realizada em segredo, mas ela afirma que contou com o apoio da hierarquia católica local. “Houve um bispo… católico romano, cujo nome não dizemos para que ele não tenha problemas com o Vaticano”, ela conta.

“Fiquei com muito medo de que as pessoas de repente começassem a me insultar ou atirar coisas em mim no altar, nesta sociedade muito conservadora onde vivo”, afirma Álvarez. “Mas o apoio que recebi das pessoas foi uma grande surpresa, que fortaleceu e reforçou minha missão.”

Álvarez foi promovida a bispa da Associação de Mulheres Padres Católicas Romanas (ARCWP, na sigla em inglês), que não é reconhecida pelo Vaticano.

Ela vem de uma família católica muito devota, mas teve o apoio da sua mãe, que já foi freira. O irmão de Álvarez é padre e deu a ela um cálice de presente, que ela considera uma forma de apoio silencioso.

Álvarez insiste que não há nada nas Escrituras que exclua as mulheres do sacerdócio. “É uma lei humana, uma lei da Igreja, e uma lei injusta não precisa ser respeitada”, segundo ela.

Este sentimento é compartilhado pela Conferência pela Ordenação das Mulheres (WOC, na sigla em inglês), um grupo que tenta convencer o Vaticano sobre o acesso das mulheres ao sacerdócio, por meio de convocações ao diálogo e demonstrações.

A Igreja Católica considera essas ordenações não apenas ilícitas, mas também inválidas. As informações são da BBC News.

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