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Construção da autoestima começa na infância, mas seus impactos são para a vida toda

Baixa insatisfação pessoal nos primeiros anos de vida pode levar a distúrbios mentais na fase adulta. (Foto: Reprodução)

Não é preciso ser um estudioso para saber que o que acontece na infância definitivamente não fica restrito à essa etapa da vida. Vivências precoces têm repercussões no desenvolvimento infantil, mas também reverberam no futuro. Nesse sentido, é importante que os pais tenham um olhar especial para a construção da autoestima de seus filhos, já que isso interfere no dia a dia da criança e ainda tem impacto no bem-estar desse indivíduo na fase adulta. Quem incentiva a pensar no assunto é a Sociedade Brasileira de Pediatria, em documento científico. Mas, afinal, como dar apoio nessa missão?

De acordo com os pediatras, a criação da autoestima se dá através do encontro de tendências inatas à criança com as experiências de vida, especialmente as interpessoais. Nesse aspecto, os pais são cruciais, já que possuem uma importância afetiva primária para os filhos. O documento ainda destaca que “eventos adversos tóxicos, vividos da primeira à terceira infância, podem afetar o desenvolvimento geral e neuropsicológico das crianças.”

“A criança e o adolescente são seres em desenvolvimento e precisam que os adultos sejam amorosos, atentos, dedicados e que os incentivem a realizar coisas. É necessário admirar os talentos e as capacidades deles”, orienta o psiquiatra Roberto Santoro, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Saúde Mental da SBP e um dos autores do documento. “Ao mesmo tempo, os pais precisam mostrar, pelo exemplo, que o ser humano não é perfeito”, completa.

Todo esse cuidado tem um impacto direto na autoestima dos pequenos. Mas, diferente do que muita gente acha, ela vai muito além de amar a própria aparência ou praticar o autocuidado. “Autoestima é a consideração que a gente tem da gente mesmo. Seja na forma de se comportar, de poder sentir emoções, de nos vermos”, exemplifica a psicóloga Fernanda Mishima Gomes, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo.

Segundo o documento da SBP, os cuidadores precisam levar em conta que há particularidades entre as crianças. Ou seja, seu filho pode não ser excelente em matemática, mas ter uma extrema facilidade com linguagem ou ciências sociais. Além disso, os pediatras pedem atenção caso o desempenho da criança seja bom, mas ela sempre acha que do outro é melhor. Trata-se de um sinal de que a autoestima precisa ser fortalecida.

“Na construção e na consolidação da autoestima, é extremamente importante que a criança receba um olhar de cuidado. E isso significa também a valorização do que ela é de verdade, e não daquilo que ela poderia ser”, ensina a psicóloga.

É claro que os cuidadores não conseguem mudar certos aspectos, como o temperamento da criança – que também afeta a percepção que ela tem sobre si. Os pequenos mais tímidos e introvertidos, por exemplo, tendem a ser mais sensíveis em relação a críticas, sentem mais ansiedade em determinadas situações sociais e apresentam maior autoconsciência crítica. Eles também estão mais sujeitos a sofrer bullying. Mas, segundo Santoro, é possível ajudá-los nas suas interações sociais e na construção de uma autoavaliação que seja realista.

Até porque desenvolver uma percepção negativa de si mesmo pode gerar muito sofrimento para o indivíduo. Isso impacta diretamente no desenvolvimento neural e até na função mental. “O novo paradigma da pediatria é tratar preventivamente os transtornos do neurodesenvolvimento, reconhecer sinais precoces de desajustes e, assim, agir para garantir a funcionalidade e o máximo do potencial desse indivíduo adulto”, defende o documento da SBP.

Nem muito, nem pouco

Quando a criança ou o adolescente tem baixa autoestima, acaba mais predisposto a problemas depressivos. “E, na fase adulta, pode não ter confiança nas relações interpessoais, ficando com medo de se integrar socialmente ou se submetendo ao domínio de outras pessoas que ela acha que são melhores”, informa Santoro.

Essa baixa insatisfação pessoal na infância pode ser disparada pela negligência, a partir do momento em que não há adultos apreciando as qualidades e realizações da criança. Mas, atenção: a baixa autoestima também pode ter relação com uma superproteção, já que isso abala a confiança pessoal e priva o jovem de tomar decisões e raciocionar. Tudo isso aumenta o sentimento de dependência, a insegurança e, consequentemente, contribui para o pouco apreço por si.

Agora, o oposto é igualmente prejudicial. “Com a autoestima inflada, a pessoa tem uma falsa noção das suas capacidades e se sente superior aos outros. Isso é extremamente frágil porque, de uma hora para outra, ela pode se ‘esvaziar’, especialmente quando algo abala seu narcisismo”, esclarece Santoro.

No documento, a SBP reforça que os elogios devem servir para que meninos e meninas entendam que estão bem do jeito que são, e não para se sentirem melhores do que os colegas.

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