Quarta-feira, 02 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 20 de março de 2025
Mesmo antes de qualquer impacto direto no Brasil da política protecionista do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a situação das contas externas do país já emite um sinal de alerta.
No ano passado, as fontes de financiamento estrangeiro não foram suficientes para cobrir o déficit brasileiro nas trocas com o mundo e geraram o maior “buraco” desde 1995, nas contas do sócio da consultoria BRCG e pesquisador associado do Ibre/FGV, Livio Ribeiro.
Essa situação deixa o país em uma posição menos confortável para absorver choques externos. A isso, se soma a ofensiva tarifária de Trump, que deve diminuir ainda mais o fluxo de capitais para países emergentes este ano. A deterioração nas contas externas brasileiras, porém, não é considerada alarmante por especialistas e está longe de um cenário de vulnerabilidade ou crise externa, mas a tendência é que o câmbio fique mais volátil e desvalorizado.
Um dos sinais de alerta vêm do estreitamento do “financiamento” do déficit externo do país. Em janeiro, o rombo em transações correntes (que mostra o saldo nas trocas com o resto do mundo) praticamente se igualou ao volume de Investimento Direto no País (IDP), considerando o período de 12 meses.
O resultado deficitário foi de US$ 65,4 bilhões, ou 3,02% do PIB, contra US$ 68,5 bilhões do IDP (3,16% do PIB). A diferença de 3,1 bilhões é a menor desde maio de 2020, um dos períodos mais desafiadores para a atividade econômica global durante a pandemia de covid-19.
A relação entre o resultado em transações correntes e o Investimento Direto no País (IDP) é comumente utilizada para medir a “saúde” das contas externas. O IDP é considerado um fluxo de capital mais “saudável”, porque é direcionado para aportes produtivos, com perspectiva de permanência maior no país, ao contrário dos investimentos no mercado financeiro.
— É a principal fonte de arrecadação para o déficit. A aproximação acende um sinal de alerta, mas existem outras formas de se financiar, como o investimento em portfólio, que é mais volátil. É sim a fonte mais segura que o Brasil pode se financiar por meio de reservas internacionais — explica Luiza Pinese, economista da XP Investimentos.
A economista revisou a projeção para o déficit em conta corrente de 2025, de US$ 52,5 bilhões para US$ 62,6 bilhões (3,0% do PIB).
Contabilizando todas as fontes de financiamento externo, faltaram US$ 26,4 bilhões para financiar o déficit em conta corrente e as parcelas de empréstimos internacionais no ano passado, nos cálculos de Livio Ribeiro. A conta considera, além do saldo líquido de IDP, os investimentos no mercado financeiro, as captações externas, os contratos cambiais e derivativos, entre outros. Esse é o pior resultado da série do BC, iniciada em 1995.
Intervenções do BC
Ribeiro reconhece que o resultado do ano passado foi bastante prejudicado pela forte intervenção no mercado de câmbio realizada pelo Banco Central em dezembro do ano passado, em meio à escalada do dólar. A atuação extraordinária foi de US$ 32,574 bilhões – US$ 21,5 bilhões só no mercado à vista. Mas o pesquisador argumenta que esse foi mais o efeito do que a causa do problema.
— O BC precisou entrar no mercado porque faltou dinheiro. A venda da reserva é o efeito, não é a causa. O que na verdade é relevante é que a realidade do financiamento externo piorou. O mundo ficou menos palatável, mais difícil. O fluxo de financiamento para economias emergentes será mais complicado em 2025.
Para Livio Ribeiro, com a taxação de Trump, o momento é ruim para o mundo inteiro, mas os emergentes têm um “dever de casa” maior. No Brasil, a questão é fiscal. Silvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências Consultoria, vê a redução do fluxo de capital como o maior risco das políticas do governo do republicano para o país, especialmente em um momento em que a dependência de capitais mais voláteis está aumentando. Ele lembra que o Brasil não é um alvo prioritário para Trump na tarifação.
Crescimento da economia
]Do outro lado da conta, o déficit em conta corrente mais que dobrou em 2024 principalmente devido ao forte crescimento da economia brasileira. O consumo transbordou para o exterior na forma de aumento das importações de bens e serviços.
— É um dos sintomas de um crescimento econômico acima do potencial. Um deles é a inflação. O outro é que o aumento da demanda vaza para o exterior na forma de importações de bens e serviços, provocando a redução do saldo comercial e o aumento do déficit da conta de serviços — diz Silvio Campos Neto.
Os especialistas dizem, porém, que o cenário, apesar de mais delicado, não é alarmante. Em primeiro lugar, é esperada uma redução do déficit em conta corrente este ano, em virtude da perspectiva de desaceleração econômica e do dólar mais alto, com efeito sobre as importações. As informações são do portal O Globo.