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Novo futuro: quase 200 países chegam a acordo histórico para proteger biodiversidade global até 2030

Países participantes definiram metas para a proteção de ecossistemas vitais, como florestas tropicais e pântanos, e os direitos dos povos indígenas. (Foto: Nossos Biomas/TV Brasil)

Depois de quase duas semanas de intensas e difíceis negociações na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP15), quase 200 países chegaram a um acordo histórico na madrugada desta segunda-feira (19) para tentar interromper a destruição ambiental e a perda de biodiversidade que ameaça os ecossistemas e as espécies do planeta.

Quatro anos após a última conferência sobre o tema, os membros da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU, reunidos na COP15 na cidade canadense de Montreal, aprovaram um marco de ação proposto pela China, país que preside o encontro, com oposição apenas da República Democrática do Congo (RDC).

O aspecto mais dramático da perda de biodiversidade é um gigantesco processo de extinção que ameaça mais de um milhão das cerca de oito milhões de espécies vegetais e animais conhecidas no planeta, com 75% dos ecossistemas tendo sido alterados pela atividade humana, segundo cientistas. É uma crise que anda de mãos dadas com a do aquecimento global, em muitos casos tendo causas comuns.

Acordo Kunming-Montreal

O pacto, chamado de Acordo Kunming-Montreal, visa proteger a terra e os oceanos e evitar a extinção em massa de espécies. Ele ambiciona ser um plano de emergência para esta década e compromete os seus signatários a, até 2030, “conservar e gerir de forma eficaz através de sistemas de áreas protegidas” 30% das terras e “águas terrestres, continentais, costeiras e marinhas”.

Esse ponto central foi descrito como o equivalente em biodiversidade a limitar o aquecimento global a 1,5°C, incluído no Acordo do Clima de Paris de 2015. Segundo a última avaliação das Nações Unidas, atualmente cerca de 17% das áreas terrestres do planeta e 10% das áreas marinhas estão sob tal proteção. Muitos defendem que seria necessário a estender a proteção a 50% das terras e águas do planeta.

Além disso, o pacto estabelece que “pelo menos 30% das áreas degradadas dos ecossistemas terrestres, fluviais, costeiros e marinhos” sejam efetivamente restaurados até 2030. Também menciona a proteção dos povos indígenas, guardiões de 80% da biodiversidade da Terra, reivindicação amplamente repetida pelos representantes dessas comunidades na cúpula. Pela primeira vez, o tema dos povos originários é tratado de forma transversal num acordo sobre biodiversidade, sendo citado 18 vezes.

O acordo foi alcançado após vários atrasos na COP15, que deveria ter sido realizada na China em 2020, mas que, devido às restrições por causa da pandemia, ocorreu com dois anos de atraso no Canadá.

Liderança do Brasil

Sob a liderança do Brasil, país que detém a maior biodiversidade global, dezenas de países do chamado Sul Global pediam aos países do Norte, a quem acusam de terem enriquecido à custa de seus recursos e da colonização, que destinassem US$ 100 bilhões por ano para a conservação, valor estimado em dez vezes a ajuda atual para a biodiversidade.

Ao final, o texto aprova o objetivo de que os países ricos forneçam “pelo menos US$ 20 bilhões anuais até 2025, e pelo menos US$ 30 bilhões anuais até 2030”, ou seja, aproximadamente o dobro e o triplo da atual ajuda internacional para a biodiversidade. Ainda não está claro como se dará a distribuição dos recursos.

Compromisso

A novidade é que esse compromisso recai sobre “países desenvolvidos e sobre países que voluntariamente assumem obrigações de países desenvolvidos” e que são membros da CDB. Essa formulação permite incluir os Estados Unidos, único país não signatário da CDB além do Vaticano, e abre caminho para a integração da China ou dos Estados árabes entre os doadores, como espera a União Europeia.

O acordo também afirma a meta de promover uma reforma nos subsídios prejudiciais ao meio ambiente, uma ausência que foi considerada um grande fracasso das metas de biodiversidade da última década. A retirada desses subsídios pode retirar recursos de atividades destrutivas e no lugar disso canalizá-los para atividades que sejam benéficas ao meio ambiente.

Brasil protagonista

Para a diretora para Políticas Públicas e Relações Governamentais da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, Karen Oliveira, ainda que o documento final não tenha sido tão ambicioso quanto se esperava, o Brasil “tem todas as condições de ser um grande protagonista na implementação desse marco”, embora existam desafios pela frente.

“Isso, no Brasil, tem uma consequência imediata, que é a necessidade da demarcação dos territórios indígenas, algo prometido há muito tempo e que, até então, tem avançado muito pouco”, diz Oliveira. “Na COP27 [em Sharm el-Sheikh, no Egito], o presidente eleito Lula anunciou que fará o reconhecimento de territórios quilombolas, mas ainda há outros grandes desafios relacionados ao uso sustentável da biodiversidade, com a criação de uma política nacional de bioeconomia e a implementação de uma legislação brasileira sobre a repartição de benefícios.

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