A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por “intensa violência” e “omissão da justiça” no caso da morte do trabalhador rural Antônio Tavares. Ele morreu em maio de 2000 numa ação de repressão da Polícia Militar do Paraná contra uma marcha pela reforma agrária, à época liderada pelo MST, que ocorreria em Curitiba. Os manifestantes foram atacados pelos PMs na Rodovia BR-227, na altura da cidade de Campo Largo (PR), e 197 militantes, entre crianças e idosos, também ficaram feridos.
A decisão tem quatro principais determinações ao Estado brasileiro. A primeira diz respeito ao fato de que a justiça militar não tem competência para julgar e investigar militares que cometam crimes contra civis. A medida, discorre a Corte, visa enfrentar o atual quadro de impunidade. No processo de responsabilização dos envolvidos na morte de Antônio Tavares, os inquéritos na polícia militar e civil foram arquivados e as lesões corporais contra os demais militantes do MST jamais foram objeto de investigação pelas autoridades locais, afirma a Corte.
Outra medida presente na sentença é a inclusão de conteúdo específico no currículo para formação de agentes de segurança pública, de modo a garantir o respeito aos direitos dos manifestantes. A sentença também destaca o direito à manifestação e determina a realização pelo Estado brasileiro e do Paraná, em diálogo com vítimas e representantes, de ato público de reconhecimento de responsabilidade pelas violações de direitos do caso. “A sentença deve ser divulgada amplamente pelas autoridades públicas nacionais”, diz o documento.
O ofício também determina que o Estado proteja o monumento erguido às margens da BR-277, nas proximidades do local onde ocorreu o massacre de 2000. A obra é projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e foi declarada como patrimônio imaterial em 2023. A decisão obriga a adoção de todas as medidas adequadas para a preservação no local, acesso público e garantia de manutenção.
A Corte ainda determinou a reparação às vítimas presentes no dia e aos familiares de Antonio Tavares, com apoio psicológico e indenização por danos morais e materiais.
Procurada, a Polícia Militar do Paraná afirmou que, devido ao trânsito em julgado da ação, não haverá posicionamento da corporação sobre o assunto.
Decisão definitiva
O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos e se submeteu à jurisdição contenciosa da Corte Interamericana. O prazo para o cumprimento das determinações é de um ano, a partir da divulgação da sentença. Além destas, outras duas sentenças da Corte IDH condenaram o Estado Brasileiro por crimes relacionados à luta pela terra.
Loreci Lisboa, uma das vítimas do massacre da BR-277, conta ter sofrido diversos ferimentos e afirma que viu de perto o assassinato de Antonio Tavares. Ela comentou o caso após a decisão.
“A gente sofreu muito naquele dia. Espero que com isso, não só esse governo, mas outros que vierem, saibam o que fazer com o pessoal que vem reivindicar. Nem bicho foi tratado como nós. Foi desumano o que fizeram com nós”, disse.