O mercado até comprou algum otimismo diante da demora inicial do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em aplicar tarifas comerciais contra produtos de outros países. O dólar perdeu força globalmente, mas a trajetória para a moeda americana pode voltar a ser de alta, na medida em que o republicano começa a colocar em prática seus planos tarifários, ainda que de modo menos agressivo do que o prometido na campanha.
Trump anunciou tarifas de 25% contra itens do México e do Canadá e de 10% contra produtos chineses e ameaçou elevar a alíquota das taxas e em aplicar tarifas contra outros parceiros comerciais, como a União Europeia. O anúncio foi acompanhado de volatilidade nos mercados, mas o timing casou com o fortalecimento do dólar no fim da sessão de sexta-feira (31), o que levou o índice DXY, que mede o comportamento da moeda americana contra outras seis divisas fortes, a fechar em alta firme, negociado aos 108,50 pontos.
Havia uma expectativa no mercado – frustrada – de que as tarifas poderiam não ser impostas ou que seriam usadas para negociação com os parceiros comerciais dos EUA. Trump, porém, indicou que deve impor mais tarifas à frente e apontou que, em março, chips, aço e alumínio importados podem ser alvos das medidas.
O chefe de estratégia global de câmbio e juros do Goldman Sachs, Kamakshya Trivedi, observa que, nos últimos dias, alguns prêmios de risco em relação às tarifas chegaram a ser embutidos nos preços dos ativos globais. E, com as tarifas efetivamente colocadas em prática, os movimentos de dólar mais forte devem se cristalizar à frente, em um momento no qual o diferencial de juros continua a jogar ao lado da moeda americana.
“Esperamos que os mercados precifiquem uma alta probabilidade de que esses aumentos de tarifas não sejam permanentes, em linha com as expectativas de nossos economistas e, portanto, os ajustes iniciais nos mercados de câmbio devem ficar bem aquém de nossas estimativas de quanto as taxas de câmbio normalmente se ajustam para uma mudança permanente nos termos de troca”, diz Trivedi. No entanto, para ele, as tarifas sobre a China “abrem a possibilidade de uma mudança na gestão do yuan, o que pode ter repercussões em todo o mercado”.
Para o profissional do Goldman Sachs, ao se olhar para além das questões tarifárias, o momento ainda é de crescimento sólido da economia americana, ditado pelo consumo, enquanto os fluxos de capital seguem direcionados para os EUA, mesmo após o “efeito DeepSeek”. “E isso contrasta com a Europa e a maioria dos mercados emergentes, onde os bancos centrais continuam a flexibilizar a política monetária para dar suporte ao ciclo doméstico. Isso deve manter os diferenciais de juros em níveis amplos e colocar um piso para o dólar”, diz Trivedi.
É nesse contexto que o estrategista sênior de câmbio Daragh Maher, do HSBC, acredita que, apesar da incerteza elevada sobre os próximos passos na condução da política comercial dos EUA, “continuamos a acreditar que o risco retorno favorece um dólar mais forte, com o dólar canadense mais exposto a uma desvalorização”. Ele observa que, no início dos negócios da última sexta-feira, o dólar se valorizou mesmo em um ambiente favorável a ativos de risco em Nova York, o que sugere que os mercados de câmbio têm negociado “em outro lugar”.
A estrategista Meera Chandan, do J.P. Morgan, contudo, acredita que, embora as tarifas continuem a ser uma fonte de suporte para o dólar no médio prazo, o desempenho dos mercados acionários americanos pode tornar o caminho da moeda americana “mais complicado no curto prazo”. Para ela, o desempenho das ações americanas será relevante para o câmbio, “já que elas têm sido um pilar fundamental do ‘excepcionalismo’ americano”, diante da migração de fluxos de capital para os EUA, o que favorece o dólar.
“Se isso não continuar mais sendo o caso, o dólar pode ficar sujeito a fluxos de
reequilíbrio e repatriação, que podem ser negativos para a moeda americana, pelo menos em relação a algumas divisas”, avalia Chandan em relatório enviado a clientes.
No momento, o J.P. Morgan mantém recomendação em posições compradas no dólar, “já que o breve alívio no risco tarifário após a posse [de Trump] não durou”. De acordo com Chandan, os estrategistas de ações do J.P. não veem o “efeito DeepSeek” como “o fim do excepcionalismo dos EUA, mas sim, provavelmente, como um acelerador no médio prazo”. No curto prazo, diante de um mercado bastante comprado em ações americanas e no dólar, pode haver maior volatilidade nos mercados.
Chandan acredita que as tarifas “isolariam o dólar contra quaisquer rachaduras de curto prazo na resiliência dos EUA, mas apenas parcialmente”. A estrategista aponta que posições compradas em dólar, vendidas em euro e vendidas no franco suíço são “consistentes com os padrões sazonais de fevereiro”.