Ícone do site Jornal O Sul

COVID-19 e os custos que ninguém vê

O pânico e o medo colocados na sociedade não têm contribuído para educar e informar a população de forma clara e eficiente. (Foto: Reprodução)

Assim que começou a pandemia aqui no Brasil, muito se falou no dilema entre salvar vidas e salvar a economia. Essa dicotomia apresenta um egoísmo disfarçado de altruísmo, ao esquecer que muitas pessoas não podem ficar em casa, precisam sair para a rua, seja pelo seu sustento, pela sua saúde física e mental. É compreensível que esta pandemia tenha gerado sintomas de ansiedade pela sua gravidade, pelo desconhecimento de como ela atua e pela sua extensão. O medo de perder a vida, der perder um familiar ou um ente querido aciona nossos instintos, nosso sistema límbico, o mais primitivo de todos. Com isso, ficamos paralisados, agimos de forma irracional e instintiva.

O pânico e o medo colocados na sociedade não têm contribuído para educar e informar a população de forma clara e eficiente, com racionalidade, tranquilidade e bom-senso. As pessoas que saem na rua sofrem ameaças e punições, muitas são impedidas de trabalhar e estão em situação de miséria, literalmente revirando lixo e pedindo nas ruas. Outras, por medo de enfrentar uma emergência, supostamente lotada de pacientes contaminados por COVID-19, deixam de realizar seu tratamento de base prévio à pandemia, como hipertensão, diabetes, câncer, depressão. Ao receber a informação de que devem ficar em casa, os pacientes procuram atendimento, muitas vezes, tardiamente para o próprio vírus, chegando ao hospital quando sua função pulmonar já está comprometida.

Como toda a decisão pode trazer efeitos adversos, esse lockdown prolongado vai ter graves consequências. O paper do Imperial College, que após adaptação, foi utilizado para balizar as medidas de quarentena no Brasil, fez uma projeção simplista e com graves erros metodológicos. Ele principalmente não prevê, em nenhum momento, o impacto que o desemprego, o desespero em perder suas economias e o grave sofrimento mental que toda essa quarentena rígida e prolongada provoca na população. Um recente estudo do Lancet de 2019, a respeito do impacto da recessão econômica no Brasil de 2012 a 2016, mostrou a associação entre o desemprego e o acréscimo em 30.000 no número de mortes, principalmente por câncer e doenças cardiovasculares.

Um exemplo desta falta de unanimidade científica a respeito do lockdown é a Suécia, que ignorou o paper do Imperial College, afirmando que o vírus é uma força da natureza e que não existe nenhum estudo que comprove que o lockdown funcione. Seu Primeiro Ministro acredita que restrições voluntárias conseguem ser mantidas por mais tempo, afirmando que o fechamento completo da sociedade e o cerceamento das liberdades individuais prejudique demais a economia, causando mais sofrimento e perdas de vidas no futuro. Além disso, não corre o risco de passar por uma 2ª ou 3ª onda, uma vez que sua população terá alcançado a imunidade de rebanho. As escolas permanecem abertas, quem pode trabalha de casa, as comemorações são limitadas a 50 pessoas, o comércio e os restaurantes seguem abertos, com algumas restrições, mantendo o distanciamento.

No futuro, será possível fazer um estudo comparativo com seus vizinhos nórdicos para verificar o impacto do lockdown na mortalidade e na sociedade como um todo.

Por fim, é muito importante, nesse momento, mantermos a racionalidade e a tranquilidade para não criarmos uma sociedade de pânico e medo principalmente para nossos filhos. Depois que essa pandemia passar, vamos estar diferentes individualmente e como sociedade, valorizando ainda mais a liberdade individual e a importância do trabalho.

Dra. Mariana Pedrini Uebel – CRM 26829

Psiquiatra da Infância, Adolescência e Adultos
PhD em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Fellowship em Psiquiatria pela Columbia University of NY at NYS Psychiatric Institute
Pós-Doutorado em Psiquiatria pela UNIFESP

Sair da versão mobile