Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 6 de julho de 2024
O estudo que revelou por que parte da população não se contamina ao entrar em contato com o novo coronavírus foi o primeiro do tipo “desafio humano”, ou seja, que infectou participantes saudáveis de propósito com a covid-19 para avaliar a ação do patógeno no organismo. Os achados foram publicados na revista científica Nature.
Os resultados apontam que algumas pessoas apresentam uma resposta imune nunca vista antes no nariz, que eliminou o patógeno antes mesmo que ele provocasse a infecção. Além disso, que essa habilidade é associada a níveis elevados de um gene chamado HLA-DQA2.
O estudo foi conduzido por pesquisadores do Instituto Wellcome Sanger, da University College of London (UCL) e do Imperial College of London, no Reino Unido, e do Instituto para Câncer da Holanda, além de outras instituições de pesquisa.
Ao todo, 36 adultos sem histórico prévio da infecção ou de vacinação contra a covid receberam amostras do Sars-CoV-2 pelo nariz. Os cientistas acompanharam todos os detalhes que ocorriam desde o momento em que o indivíduo era exposto ao coronavírus até a contaminação e, no final, a eliminação do patógeno.
Para isso, os pesquisadores monitoravam amostras de sangue, do revestimento interno do nariz e da atividade das células imunológicas. Com uma técnica chamada de sequenciamento de célula única, eles analisaram mais de 600 mil células dos voluntários.
Em todos eles, foram observadas respostas do sistema imune. Mas, entre os participantes que eliminaram imediatamente o vírus, ou seja, que não foram contaminados, não houve uma resposta imune generalizada, como é mais comum, mas sim uma reação sutil e inédita apenas no nariz.
Por outro lado, entre os voluntários que desenvolveram uma infecção sustentada, houve uma rápida resposta imune no sangue, porém de forma mais lenta no nariz, o que permitiu que o coronavírus se estabelecesse e contaminasse o indivíduo.
Para Christopher Chiu, autor do estudo e professor de Doenças Infecciosas da Imperial College of London, os resultados apontam um caminho para novas vacinas e tratamentos:
“Essas descobertas não apenas terão um impacto importante no desenvolvimento de intervenções de próxima geração para o Sars-CoV-2, mas também devem ser generalizáveis para outros surtos e pandemias futuras”, diz em comunicado.
Isso porque o estudo mostrou um retrato sobre a interação de células de defesa, como os leucócitos T, a partir do contato do indivíduo com um vírus invasor em detalhes nunca antes vistos não apenas sobre a Covid-19, mas sobre qualquer processo infeccioso.
“Essas descobertas lançam uma nova luz sobre os eventos iniciais cruciais que permitem que o vírus se instale ou que o eliminem rapidamente antes do desenvolvimento dos sintomas. Agora temos uma compreensão muito maior de toda a gama de respostas imunológicas, o que poderia fornecer uma base para o desenvolvimento de possíveis tratamentos e vacinas que imitem essas respostas protetoras naturais”, afirma Marko Nikoli, também autor do estudo e pesquisador da UCL.
Quatro anos e meio depois que o primeiro infectado pela covid foi detectado em Wuhan, na China, mais de 700 milhões de casos ao redor do planeta já foram confirmados, e 7 milhões de pessoas perderam a vida pela doença – 711 mil no Brasil.
Outro estudo
Antes do novo estudo, trabalhos anteriores já haviam apontado que algumas pessoas não são contaminadas com a covid graças a seus genes. Um deles publicado também na revista Nature, no ano passado, observou que indivíduos com uma variante genética chamada HLA-B*15:01 tiveram o dobro de probabilidade de desenvolverem um quadro sem sintomas ao serem contaminados pelo Sars-CoV-2.
A mutação foi identificada num grupo de genes chamado de antígenos leucocitários humanos (HLA), que codificam proteínas que são lidas pelo sistema imunológico para identificar o que são agentes externos nocivos, como vírus e bactérias, e desenvolver defesas contra eles.
No caso dos indivíduos com a variante HLA-B*15:01, o estudo mostrou que, mesmo antes da covid se disseminar pelo planeta, eles já tinham produzido células de memória T para uma parte específica do vírus causador da doença. Os indivíduos nunca haviam tido contato com o novo coronavírus, já que o sangue foi coletado antes da pandemia. Só que foram expostos a outros coronavírus antes, que já circulavam no passado causando resfriados comuns.
No geral, o contato com esses vírus antigos não gera proteção para o Sars-CoV-2. Porém, graças à variante genética, a exposição induziu uma espécie de proteção cruzada. Essa alteração no gene é relativamente comum, prevalente em cerca de 10% da população.