Sexta-feira, 31 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 3 de outubro de 2022
Causador da pandemia que matou cerca de 18 milhões de pessoas em dois anos, o Sars-CoV-2 ajudou a propagar ao mundo a ameaça de outro microrganismo, o fungo. Enquanto a medicina se debruçava sobre a ação do vírus, fungos despontaram em infecções secundárias, ao lado de bactérias, contribuindo para levar à morte milhares de pacientes internados em UTIs. As ocorrências acenderam um alerta na comunidade médica, que relata falta de testes e de rapidez no diagnóstico de doenças fúngicas endêmicas no Brasil.
Em 2020, um hospital de Salvador registrou surto causado por um fungo recém observado em humanos, o Candida auris. Multirresistente a medicamentos, ele é considerado grave ameaça à saúde global e foi identificado pela primeira vez em 2009, no Japão. Contido na Bahia, o surto acomete agora dois hospitais em Pernambuco.
“Os fungos são um problema emergente no mundo”, resume o infectologista Arnaldo Colombo, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que participou do trabalho para conter o surto na Bahia.
A população conhece bem a ação dos fungos em doenças superficiais, como micoses na pele e nas unhas. O que preocupa os cientistas agora são as micoses capazes de danificar as vísceras, o que ocorre em ambiente hospitalar e atinge principalmente pacientes com imunidade comprometida, internados por longo tempo, e com procedimentos invasivos, como uso de cateter venoso central ou cirurgias.
“Hoje temos painéis para identificação de vírus, com testes de antígenos em cinco minutos. Não temos nada parecido para diagnóstico de infecção fúngica. Com a Covid, muitos foram a óbito sem saber a causa”, diz Jaques Sztajnbok, supervisor da UTI do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo.
O Candida auris é da mesma família do Candida albicans, um dos principais responsáveis pela candidíase, que afeta pele e órgãos genitais. O problema ocorre quando qualquer um deles chega à corrente sanguínea.
Segundo o infectologista Arnaldo Colombo, a candidemia (infecção da corrente sanguínea causada por leveduras do gênero Cândida) é um grave problema de saúde no Brasil. A cada dez pessoas internadas em UTI e infectadas pela levedura, seis a sete morrem. Na Europa e nos Estados Unidos, os óbitos ficam entre três e quatro.
Professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, Gustavo Goldman é um dos coordenadores de um estudo que mostrou que as infecções fúngicas potencializaram a ação do Sars-CoV-2. Entre os pacientes internados com Covid-19 e simultaneamente infectados pelo fungo Aspergillus fumigatus a mortalidade chegou a 80%.
Para Goldman, as doenças fúngicas são negligenciadas. Segundo ele, enquanto há várias opções de medicamentos para combater bactérias, apenas quatro classes de drogas são voltadas ao tratamento de doenças fúngicas. Para piorar, algumas delas são usadas em agrotóxicos nas lavouras, cujo uso tem sido liberado indiscriminadamente.
Na avaliação de Goldman, o uso indiscriminado nas plantas contribui para aumentar a resistência às drogas de tratamento humano.
Há milhões de espécies de fungos no mundo, mas cerca de 300 mil são conhecidas. Presentes no solo, são responsáveis pela decomposição de materiais orgânicos e ajudam as plantas a absorver nutrientes. Contribuem ainda para 30% da perda de alimentos, do campo ao armazenamento. O ser humano inala diariamente milhares de esporos de fungos, mas o sistema imune elimina. Com imunidade baixa, o risco cresce.
O aquecimento global, diz Goldman, é outra ameaça, uma vez que fungos se desenvolvem bem entre 20ºC e 30ºC, abaixo da temperatura dos mamíferos. Com a adaptação ao calor, a contaminação de seres humanos pode aumentar.