Crase, pra que te quero? Pra indicar o casamento de dois aa. Um é sempre a preposição. O outro joga em dois times. Pode ser o artigo (a casa) ou a primeira letrinha do pronome demonstrativo (aquela, aquele, aquilo). A coluna passada tratou de algumas regras do acentinho tão manhoso. Falou no tira-teima e deu cinco alertas sobre ciladas que querem pegar o bobo na casca do ovo — pronome de tratamento, casa, terra, palavras repetidas e casaizinhos. Esta continua o assunto.
Nome de pessoa
Crase antes de nome de pessoa? É facultativa. Depende do artigo. Há regiões que o usam e regiões que o dispensam (a Lia, Lia):
Referiu-se à Maria. Referiu-se a Maria.
Dirijo-me à Paula? Dirijo-me a Paula?
Ambas estão corretas. Na primeira, usa-se o artigo. Na segunda, não. É questão regional.
Falsa crase
Escrever à mão? Escrever a mão? No troca-troca, temos escrever a lápis. Sem artigo, não há crase. Mas use o acento. Pela clareza.
Bater à máquina? Bater a máquina? Não há crase. Mas, sem o acento, o leitor pode entender que a máquina levou pancada. É a clareza.
Pagar à vista? Pagar a vista? No troca-troca, temos pagar a prazo. Sem artigo, não há crase. Mas a clareza pede o acento.
Resumo da opereta: em escrever à mão, bater à máquina, pagar à vista, não ocorre a fusão de dois aa. Mas a clareza pede o acento. É a falsa crase.
País, estado, cidade, bairro
Crase antes de nome de país, estado, cidade, bairro? Depende do artigo. Como saber se o a é bem-vindo? Há um verso que dá dica infalível. Ele manda substituir o verbo ir pelo voltar. Com o troca-troca, não há erro. Ei-lo:
Se, ao voltar, volto da, crase no a.
Se, ao voltar, volto de, crase pra quê?
Vou a França? À França? No troca-troca, volto da França. Nota 10 para vou à França.
Foi a Floripa? À Floripa? Voltou de Floripa. Ao voltar, volta de, crase pra quê? Vou a Floripa.
Vou à Barra da Tijuca? A Barra da Tijuca? Volto da Barra. Ao voltar, volto da, crase no a: Vou à Barra da Tijuca.
Vai a Brasília? À Brasília? Ao voltar, volto de, crase pra quê? Volta de Brasília. Vai a Brasília.
Vou a Miami. (Volto de Miami). Ao voltar, volto de, crase pra quê?
Vou à Bahia. (Volto da Bahia.) Ao voltar, volto da, crase no a.
Vou à Alemanha. (Volto da Alemanha.) Volto da? Crase no a.
Vou a Portugal. (Volto de Portugal). Volto de. Crase pra quê?
Cheguei a Natal. (Voltei de Natal). Sem artigo, nada de crase.
Nome masculino
Se é o casamento de dois aa, a crase é feminista. Conclusão lógica: o artigo masculino é o. Com ele, nada de juntar os trapinhos.
Obras a 500 metros. Metros é masculino. Antes de machinhos não ocorre o encontro de dois aa.
Andar a pé? Andar à pé? Pé é masculino. Xô, grampinho!
Há construções que enganam. Fingidas, escondem um feminino: Canta à (moda de) Roberto Carlos.
Exemplos de fingidoras: Corta o cabelo à (moda de) Neymar. Faz bicicletas à (moda de) Pelé. Móveis à (moda de) D. José.
Mais fingidoras: Fui à (Livraria) José Olímpio. Comprei móvel à (moda) Luís 14. Não fui à Rua da Praia, mas à (Rua) dos Andradas.
“Bife a cavalo” joga no time de “bife à milanesa”? Não. Em bife à milanesa, esconde-se fingidora: Bife (à moda) milanesa.
Nota
Há mais. É o assunto da próxima coluna.
Leitor pergunta
Xerox é palavra oxítona ou paroxítona?
Em português, há um pacto entre as palavras. As terminadas em x são oxítonas. O acento tônico cai na última sílaba. É o caso de inox, pirex, xerox.
No reino das palavras como no dos homens, há os rebeldes. Alguns vocábulos desrespeitam o trato. Querem ser paroxítonos. Aí, precisam do acento. O sinalzinho gráfico avisa que eles mudaram de time: Félix, ônix, tórax, fênix.