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Criado para fiscalizar e julgar infrações de promotores e procuradores, o Conselho Nacional do Ministério Público aumentou, no último ano, gastos com viagens de conselheiros ao exterior, auxiliares, assessores e até mesmo convidados

Conselho do MP elevou gasto com diárias e passagens para o exterior. (Foto: Divulgação)

Criado para fiscalizar e julgar infrações de promotores e procuradores, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aumentou, no último ano, gastos com viagens ao exterior de conselheiros, auxiliares, assessores e até mesmo convidados do Judiciário. Segundo normas do colegiado, as despesas devem ser destinadas a deslocamentos “a serviço”, mas a verba tem sido usada para custear a participação em cursos e seminários fora do País. O órgão tem classificado as viagens como “missão internacional”.

Levantamento mostra que, entre janeiro de 2022 e fevereiro deste ano, o CNMP gastou R$ 1,3 milhão em diárias e passagens aéreas para Estados Unidos, Portugal, Itália e Espanha. Desse total, R$ 1 milhão custeou estadias para a participação em cursos e seminários – o restante pagou missões variadas, como assinatura de acordos.

As despesas com viagens superam todo o período de 2013 a 2021, cujos gastos foram de R$ 340 mil. Já para pagar viagens administrativas com a função de realizar correições, oitivas e outras diligências, o valor no ano passado alcançou R$ 11 milhões. O orçamento do CNMP é de R$ 111 milhões para 2023.

Os eventos para formação não exigem redação de uma tese de conclusão nem submissão prévia de artigos, como usualmente é cobrado em atividades de teor acadêmico promovidas por tribunais e escolas ligadas ao Poder Judiciário.

Desde 2019, o CNMP firmou uma parceria com a Accademia Juris Roma, com o objetivo de promover cursos e pósgraduações. Trata-se de uma microempresa registrada em nome e na residência do advogado italiano Frederico Penna, na capital italiana. Ele tem uma sócia brasileira. A entidade é apoiada por entidades de classe ligadas à magistratura e ao MP brasileiros.

Em setembro do ano passado, foram gastos R$ 587 mil em diárias e passagens a Roma para conselheiros cursarem o seminário “Proteção de Vítimas Criminais”, com nomes do direito do país europeu. Pelo menos um conselheiro, Rinaldo Reis, emendou mais uma semana em Roma, a título de férias. Com ele, foram gastos R$ 20 mil em diárias e outros R$ 27 mil em passagens. Segundo o CNMP, ele arcou com a diferença entre o período de curso e o de folga.

Nas portarias de liberação para o evento, consta o afastamento para “missão oficial” dos conselheiros. Membros auxiliares, que são promotores, procuradores e agentes de outras áreas convocados para o CNMP, que fica em Brasília, viajaram sob o pretexto de “acompanhar” conselheiros ou mesmo cursar o seminário.

A Accademia tem relação com juízes brasileiros. Conselheiro do MP que esteve em Roma, Daniel Carnio organiza cursos por meio da entidade. Um dia após o curso na capital, debateu a crise da democracia brasileira na Universidade de Siena, também na Itália.

Entre julho do ano passado e março deste ano, Carnio viajou mais de uma dezena de vezes ao exterior, em eventos do CNMP e fora dele. O conselheiro chegou ao órgão por indicação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Antes, era juiz auxiliar do ex-presidente da Corte Humberto Martins.

Pelo mundo

Em janeiro de 2023, foram pagos R$ 263 mil em diárias para a participação em um seminário em Lisboa. O evento levou a Portugal um painel no qual se discutiu um estudo sobre o perfil étnico-racial do MP brasileiro. O projeto é da Comissão de Direitos Fundamentais, presidida pelo conselheiro Otávio Luiz Rodrigues Jr., que foi indicado ao CNMP pela Câmara dos Deputados e é candidato a uma vaga destinada à advocacia no STJ.

O CNMP pagou R$ 36,8 mil também em diárias e passagens ao ministro do STJ Mauro Campbell, que esteve em Lisboa. Outros ministros não quiseram comparecer.

A ida de conselheiros e auxiliares a cursos no exterior representa uma mudança na dinâmica do CNMP. Nos anos anteriores, que registraram gastos menores com essas viagens, o órgão participou de seminários internacionais organizados no Brasil, que, por vezes, pagaram passagens de palestrantes estrangeiros.

Cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV) e estudioso do sistema de Justiça brasileiro, Rafael Viegas diz que o CNMP “tem avançado sobre atribuições do Legislativo e do Executivo” por meio de portarias e resoluções – exemplo são os gastos com viagens, que, segundo ele, deveriam trazer retorno para as atividades-fim do órgão, que são controle e fiscalização.

De acordo com Viegas, a justificativa das despesas com cursos precisa estar “demonstrada não apenas em certificados, mas também com a produção de conhecimento, publicações de artigos e entrevistas”.

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