Segunda-feira, 10 de março de 2025
Por Redação O Sul | 10 de março de 2025
O maior número de licenças está nos Estados mais populosos como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Foto: PixabayO Brasil vive uma crise sem precedentes de saúde mental com impacto direto na vida de trabalhadores e de empresas. É o que revelam dados do Ministério da Previdência Social sobre afastamentos do trabalho. Em 2024, foram quase meio milhão de afastamentos, o maior número em pelo menos dez anos.
Os dados mostram que, no último ano, os transtornos mentais chegaram a uma situação incapacitante como nunca visto. Na comparação com o ano anterior, as 472.328 licenças médicas concedidas representam um aumento de 68%.
A crise fez que o governo federal buscasse medidas mais duras. O Ministério do Trabalho anunciou a atualização da NR-1, que é a norma com as diretrizes sobre saúde no ambiente do trabalho. Agora, o tema passa a ser fiscalizado nas empresas e pode, inclusive, render multa.
Os dados solicitados ao Ministério da Previdência Social permitem traçar um raio-x da situação, com a lista de doenças que motivaram os benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença). O benefício é concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) quando o trabalhador precisa se afastar por mais de 15 dias. Para isso, é preciso passar por uma perícia médica, na qual é declarada qual doença justifica a licença.
Em 2024, foram 3,5 milhões pedidos de licença no INSS motivados por várias doenças. Desse total, 472 mil solicitações foram atendidas por questões de saúde mental. No ano anterior, foram 283 mil benefícios concedidos por esse motivo. Ou seja, um aumento de 68% e um marco na série histórica dos últimos 10 anos.
O maior número de licenças está nos Estados mais populosos como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No entanto, proporcionalmente, quando consideramos o número de afastamentos em relação à população, os maiores índices foram registrados no Distrito Federal, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.
Não há uma explicação para o índice de cada Estado, mas especialistas lembram que no caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, houve uma tragédia: a enchente que matou centenas de pessoas e deixou milhares sem casa, afetando diversas esferas da vida dos trabalhadores.
Os dados do INSS permitem traçar um perfil dos trabalhadores atendidos: a maioria é mulher (64%), com idade média de 41 anos, e com quadros de ansiedade e de depressão. Elas passam até três meses afastadas do trabalho.
Os especialistas explicam que mulheres são a maioria por fatores sociais: a sobrecarga de trabalho, a menor remuneração, a responsabilidade do cuidado familiar e a violênci.
“Esse padrão social sobre as mulheres gera sobrecarga. Ao mesmo tempo, elas têm salários menores e são, muitas vezes, as responsáveis financeiras pela casa. Ou seja, ainda tem toda essa pressão, que foi ampliada com toda a crise na pandemia”, disse o psiquiatra Arthur Danila, pesquisador sobre ansiedade na Universidade de São Paulo (USP).
Segundo o último Censo, as mulheres mantêm financeiramente 49,1% dos lares brasileiros. Isso significa 35 milhões de famílias pelo país. E a maioria está na faixa etária a partir de 40 anos, a mesma idade média dos afastamentos.
“Isso é uma tragédia social anunciada. É a mulher que hoje provém boa parte das casas no país, e essas mulheres estarem neste nível de estafa é um risco econômico. As famílias podem ficar desabastecidas e o consumo diminuir”, diz Thatiana Cappellano, mestre em ciências sociais e consultora sobre trabalho.
Por outro lado, a mulher também pede mais ajuda, e é mais aberta a procurar soluções nos consultórios médicos. Esse é um fator que facilita o diagnóstico desses tipos de transtornos, explica o psiquiatra Wagner Gattaz, especialista em saúde mental no ambiente de trabalho.
“Desde a pandemia, fala-se mais de saúde mental. Então, médicos que antes não tinham o olhar para esse diagnóstico, agora tem”, afirma.
Os transtornos mentais são multifatoriais e não há uma explicação única para o que está acontecendo. Especialistas destacam algumas questões, entre elas as cicatrizes da pandemia. Algumas delas são:
– O luto pós pandemia, que causou mais de 700 mil mortes.
– Estresse emocional após a crise, com anos de isolamento.
– Insegurança financeira com o aumento do custo de vida. De 2020 até 2024, o preço dos alimentos subiu 55%;
– Aumento da informalidade;
– E o fim de ciclos. Na pandemia, por exemplo, houve um aumento de 16% nas separações.
“A vida voltou ao ‘normal’, mas de uma forma diferente. Foram mudanças abruptas, em meio a um cenário de estresse em que as pessoas não sabiam nem se iam sobreviver. Foi preciso sair do modo ‘emergência’ para perceber a repercussão disso”, explica o psiquiatra Arthur Danila.
Ao longo da crise, pesquisas mostravam já em 2020 que ela poderia deixar sequelas emocionais, aumentando os quadros de transtornos: é o que os especialistas chamavam de “quarta onda da Covid-19”. Com isso, o tema passou a ser mais debatido.
“As sequelas emocionais são o principal motivo, mas há também a percepção e diagnóstico dessas doenças. As pessoas sabem mais e, na linha de frente, os médicos conseguem entender melhor o que é uma crise de ansiedade, ou um desânimo fora do comum que pode ser uma depressão”, pontua Wagner Gattaz, da USP. As informações são do portal de notícias g1.