Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Filipo Studzinski Perotto | 25 de março de 2020
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
A França vive hoje o seu quinto dia de confinamento devido à crise sanitária causada pelo Covid-19, versão do corona vírus que começou a se alastrar pela China em dezembro, e que agora toma proporções mundiais (mas isso todo mundo já está sabendo). Existem mais de 200.000 casos confirmados no mundo, e mais de 10.000 óbitos. São números de uma catástrofe, mesmo que (nunca é demais lembrar) outras 650.000 pessoas morrem no mundo a cada ano em decorrência de complicações causadas por outros tipos de gripe. No Brasil, os casos confirmados do Covid-19 já são mais de 600, e esse número está aumentando rapidamente.
Métodos de contagem
A contagem é, entretanto, imprecisa: o método varia de país a país, e depende da extensão da aplicação dos testes que detectam a presença do vírus. Os casos graves evoluem para pneumonia, cujo primeiro sintoma é a sensação de falta de ar, mas a maioria das pessoas infectadas apresentam apenas características clínicas similares às de uma gripe (febre e tosse).
A relação entre o numero de casos fatais também deve se reduzir à medida que forem ampliados os testes. Inicialmente a tendência é de se realizá-lo apenas nos pacientes que desenvolvem a forma grave da doença, então a proporção de casos fatais parece maior.
Na Europa, as estatísticas da Alemanha contrastam com as dos vizinhos. Lá, a taxa de mortalidade é de 0,3%, contra cerca de 8% na Itália, 4% na Espanha e 3% na França. A diferença se explica pelo fato de os alemães estarem aplicando os testes mais cedo, quando os pacientes apresentam sintomas, e por um sistema de saúde que está melhor equipado, com oferta maior de leitos em tratamento intensivo. Entretanto, diferente dos vizinhos, lá não se aplica o teste após o óbito, o que pode causar distorção.
O impacto econômico da calamidade
As medidas de isolamento e quarentena que têm sido implementadas em diversos países vão provocar uma desaceleração da economia. Fala-se em uma nova recessão global. A produção, oferta e consumo de bens e serviços vão diminuir, com exceção de alguns setores como saúde, entretenimento e comércio online (no mundo da economia, sempre há quem ganhe com uma crise).
Para que o estrago não seja ainda mais devastador, muitos governos têm adotado medidas emergenciais para evitar o desabastecimento de produtos básicos, garantindo o funcionamento das cadeias de distribuição, e sobretudo para tentar manter uma dinâmica econômica mínima. Na última quarta-feira (18), por exemplo, após o desabamento das bolsas de valores no mundo todo, o Banco Central Europeu, anunciou uma ajuda colossal de 750 bilhões de Euros, para evitar o naufrágio das economias do Velho Continente.
O papel do Estado
Em tempos de crise é mais fácil lembrar-se da importância do papel do Estado na sociedade. Serão as medidas tomadas pelos governos nos diversos níveis que permitirão a retomada da economia. Experiência parecida foi vista na sequência da grande crise de 1929. Se em tempos normais o discurso neoliberal incita a adoção das teorias do “Estado mínimo”, numa hora como essas vê-se o quanto é necessário ter um Estado forte e com recursos, não apenas para dar apoio às pessoas, no âmbito individual, mas também às próprias empresas que vão passar por grandes dificuldades.
No Brasil, a falta de coordenação no nível nacional tem dado espaço para que estados e municípios assumam o protagonismo nas medidas de prevenção. O governo federal preferiu inicialmente alinhar-se aos Estados Unidos, na hipótese da “imunização coletiva”. Trata-se da ideia de deixar o vírus se propagar para que mais pessoas desenvolvam imunidade. Na Europa, alguns países como Holanda e Suécia ainda têm adotado esse discurso, evitando medidas de isolamento mais radicais. Entretanto, segundo a maioria dos cientistas, essa postura vai custar um preço alto em número de vidas perdidas. Inclusive países como o Reino Unido e os Estados Unidos, com polêmicos governos de direita, têm revistos suas posturas iniciais após análise das projeções do número de mortos na ausência de medidas restritivas.
Contexto de Exceção
Diante desse tipo excepcional de crise, exigem-se medidas rápidas. Em diversos países, como no Brasil, declara-se situação de emergência, e aprovam-se leis excepcionais para aumentar os poderes do executivo. Isso permite o desbloqueio de recursos que podem ser destinados ao combate à epidemia de maneira mais rápida. São medidas necessárias. Infelizmente, não faltarão políticos e empresários acostumados a encontrar maneiras de se aproveitarem do dinheiro público para ver nisso tudo uma oportunidade.
Na França o senado aprovou nesta ultima quinta (19) o “estado de urgência sanitária”. Preferiu-se criar uma lei especifica para casos de epidemias, evitando confusão com outro dispositivo já existente, imaginado para cenários de guerra, onde as garantias democráticas poderiam ser postas em risco. O novo dispositivo permite, mesmo assim, a restrição das liberdades de ir e vir, e de se reunir, e mesmo permite ao governo de requisitar e confiscar bens e serviços necessários ao enfrentamento da crise. Para evitar o mau uso do dispositivo, uma cláusula obriga a aprovação de sua manutenção pela assembleia, e ainda por uma comissão cientifica.
Mudança de Hábitos
Há certos hábitos que são pessoais, desenvolvidos por cada indivíduo em decorrência de seu contexto particular de vida. Outros são coletivos, sociais e culturais. Na França, o costume é de “faire la bise”, isto é, dar aqueles dois ou três beijos na face quando as pessoas se encontram, inclusive entre homens. Os “machos” brasileiros (tradicionais) que chegam por aqui desavisados sempre ficam chocados e às vezes perturbados. Entretanto, quando estão resfriados ou com gripe, os franceses sempre evitam o contato (isso mesmo antes do COVID-19), e essa atitude também gera confusão nos recém-chegados. Você se aproxima para cumprimentar e a pessoa dá um passo para trás dizendo “desculpe, estou doente”. Não se aperta nem a mão. Pode parecer antissocial, mas na verdade é um gesto para não transmitir micróbios aos outros. Em tempos de corona vírus, é possível que hábitos como esses tornem-se rotina de forma duradoura.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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