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Por Redação O Sul | 23 de agosto de 2022
Com 80% de desaprovação popular, de acordo com a última pesquisa divulgada pela Universidade de San Andrés, o governo do presidente argentino, Alberto Fernández, e de sua vice-presidente, Cristina Kirchner, vive uma tempestade perfeita. Como se não bastasse a crise econômica, financeira, social e política, a Casa Rosada enfrenta, agora, um novo problema: o cerco judicial à vice-presidente, para quem o Ministério Público pediu 12 anos de prisão na última segunda-feira, por suposta participação numa associação ilícita que favoreceu empresas amigas em concessões de obras públicas entre 2003 e 2015.
Quando o novo ministro da Economia, Sérgio Massa, pretendia sair ao mundo para buscar financiamento para a Argentina — cujas reservas internacionais estão praticamente zeradas —, o anúncio feito pelo promotor Diego Luciani, novo inimigo público de Cristina, provocou verdadeira tsunami política. Não se fala em outra coisa na Argentina, seja numa conversa de café, na fila do supermercado ou num táxi.
A vice-presidente não tirou o protagonismo da inflação, a maior dor de cabeça dos argentinos atualmente, mas passou a ocupar o mesmo espaço na agenda e no debate públicos. A Argentina tem atualmente um presidente que muitos já definem como decorativo, e uma vice-presidente que foi acusada de ter “construído uma das matrizes de corrupção mais extraordinárias já desenvolvidas no país” — palavras de Luciani que viralizaram na internet.
Depois que o tribunal que ditará sua sentença negou seu pedido para ampliar seu depoimento — segundo argumentou, para responder a questões que constam da acusação, mas não lhe tinham sido apresentadas — Cristina decidiu fazer uma transmissão direto de sua sala no Senado, Casa que também preside. Na prática, foi uma transmissão em cadeia nacional que lembrou as que seu governo realizava com frequência quando era presidente.
“Este julgamento não é contra mim, é contra os salários de vocês, os direitos dos trabalhadores, o endividamento e as aposentadorias. Este não é um julgamento contra Cristina Kirchner, é contra o peronismo”, declarou a vice-presidente.
Cristina também aproveitou a audiência para acusar o MP de ter inventado “um roteiro”, ignorado o envolvimento de ex-ministros do governo de Mauricio Macri (2015-2019) em outros casos de suposta corrupção e ter “inventado provas”.
“Falam em chats, mas eu não tenho WhatsApp, tenho Telegram, e com poucas pessoas”, disse Cristina.
A vice-presidente é investigada em 10 casos envolvendo, principalmente, denúncias de suposta corrupção. Do total, cinco processos já avançaram e chegaram à instância de julgamento oral, como o caso no qual atuam os promotores Diego Luciani e Sergio Mola. Iniciado em 2019, foi o primeiro a ser avaliado pelos tribunais.
O julgamento oral é o último passo do processo. Após a Justiça considerar que está finalizada a chamada etapa da instrução, um tribunal julga e determina se a pessoa é ou não culpada do delito do qual é acusada. O papel dos promotores é apresentar provas e pedir uma condenação. A palavra final é do tribunal. Analistas especulam que Cristina vai recorrer da futura sentença e o caso, como muitos outros, terminará na Corte Suprema.
A vice-presidente tem atualmente foro privilegiado. Em fevereiro de 2023, Cristina fará 70 anos e passará a ter o benefício da prisão domiciliar. Uma eventual sentença que confirme o pedido de detenção dos promotores preocupa o governo, confirmaram fontes da Casa Rosada, mas o que mais preocupa agora é que o escândalo judicial acabe boicotando as tentativas de Massa de conseguir uma incipiente recuperação econômica. E, portanto, de o peronismo de ser competitivo nas eleições presidenciais do ano que vem.
“Este governo tem um sério problema de controle da agenda pública. Quando foi assinado o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), no começo do ano, o deputado Máximo Kirchner [filho de Cristina] renunciou à liderança da bancada governista na Câmara. É sempre assim, aos trancos e barrancos”, aponta Diego Reynoso, pesquisador da Universidade San Andrés e à frente do monitoramento da opinião pública da universidade.
Na última pesquisa, antes do pedido do MP sobre Cristina, a imagem positiva da vice-presidente tinha registrado leve melhora, passando de 20% para 26%. O índice de aprovação do governo, após as trocas de ministros da Economia e disparada da inflação — que em julho foi de 7,4% no mês, superando até mesmo o índice mensal da Venezuela — se manteve estável, em 20%.