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Crise no Equador põe em xeque modelo de guerra às drogas

País tornou-se importante rota do narcotráfico, enquanto sucessivos governos têm privilegiado a abordagem do modelo de militarização. (Foto: Reprodução)

Na última semana, o Equador sofreu a maior série de atos violentos da sua História. Nunca antes o país tinha enfrentado a quantidade de sequestros, carros-bomba, assassinatos e motins nas prisões que viveu nos últimos dias. A onda de violência deixa em evidência que as medidas adotadas com relação à segurança e ao controle de drogas ficam bem longe do ideal e põem em questão o modelo de combate ao narcotráfico.

Após a fuga de José Adolfo Macias, o “Fito” — suposto líder da organização criminosa Los Choneros — de uma prisão de Guayaquil no domingo passado, o presidente Daniel Noboa decretou estado de exceção. Isso derivou em atos violentos nas cidades, motins nas principais prisões, sequestros de agentes penitenciários, o assalto de criminosos ao canal de TV publica TC, e a decretação de estado de conflito armado interno, dispondo que as Forças Armadas realizem operações para neutralizar 22 grupos criminosos identificados como terroristas.

O Equador chegou a este ponto por uma série de fatores, entre eles o processo de paz na Colômbia e o papel do país no trânsito de drogas, sobretudo cocaína. Com o acordo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia (Farc) em 2016, vários analistas já alertavam para a possibilidade de que o Equador pudesse sofrer as consequências da desmobilização da guerrilha e se visse envolvido numa espiral de violência.

Segundo o diretor do Centro de Recursos para a Análise de Conflitos, Jorge Restrepo, o processo de paz e a luta antidrogas estão diretamente relacionados. “O desarmamento significou a intensificação dos conflitos em determinadas áreas do território colombiano entre grupos criminosos, mas o deslocamento para o Equador é uma consequência não desejada, um dano colateral”, indicou o especialista.

Nesse contexto, o país se tornou atrativo para esses grupos armados e os cartéis que eles representavam, devido à instabilidade política e à sua economia dolarizada. Desde 1997, essa instabilidade ficou expressa com a passagem de 13 presidentes pelo poder, muitos dos quais sequer conseguiram terminar o mandato.

A crise política não é nova. O que é inédito é o aumento de atos violentos que são consequência de decisões políticas, econômicas e sociais ineficazes no combate à insegurança e ao narcotráfico.

O cenário de criminalidade começou a ficar mais visível em 2018, no governo de Lenin Moreno. Sua abordagem afastou-se da de Rafael Correa e reforçou o velho discurso da guerra contra as drogas com uma série de medidas sem os resultados esperados. Assim, por exemplo, o investimento em armas, pessoal militar e tecnologia aumentou. De maio de 2017 a maio de 2019, o governo Moreno investiu US$ 355 milhões nas Forças Armadas e fez cortes nos gastos públicos. Isso se traduziu na redução significativa dos orçamentos de educação, saúde e infraestrutura.

“Aconteceu um efeito-dominó no setor público que rapidamente alcançou o sistema de reabilitação” afirmou Jorge Paladines, pesquisador equatoriano, no seu último livro “Matar e deixar matar”.

Sob Moreno, a superlotação de presídios e a precariedade do sistema carcerário começaram a ficar mais evidentes por falta de investimento, motins e o surgimento de organizações criminosas lá dentro. Segundo Paladines, “os massacres ocorrem quando o orçamento penitenciário é reduzido. As prisões ficaram em terapia intensiva”.

Dois fatos ajudaram a agravar a situação. Moreno dissolveu o Ministério da Justiça, e a política carcerária passou a depender de uma entidade de menor ranking no governo.

Além disso, Moreno eliminou a Secretaria Técnica de Prevenção Integral de Drogas (Seted), a entidade responsável pela implementação de processos intersetoriais de prevenção ao tráfico e consumo de drogas com um foco centrado nos indivíduos. Nesse momento, o processo de paz colombiano e a desmobilização das Farc, somados à decomposição do sistema de reabilitação, foram aproveitados pelos cartéis mexicanos.

Medidas ineficazes

Foi nesse cenário que Guillermo Lasso assumiu a Presidência em maio de 2021 e trouxe consigo não somente a continuação da política econômica de Moreno e dos constantes massacres carcerários, mas a radicalização dos dois.

“Lasso aprofundou a visão securitária, militar e policial nas prisões e fora delas”, diz Paladines.

Foram tomadas medidas como traslados ineficazes de líderes de gangues, formação em curto prazo de novos policiais e novos cortes no sistema penitenciário, além da educação e da saúde pública. Segundo o portal de notícias Primicias, dos US$ 768 milhões planejados para educação e saúde em 2022 , o governo destinou só US$ 184 milhões.

Já os decretos de estado de exceção do governo Lasso — 11 em dois anos e meio — constituíram ações sem resultados na diminuição da violência. Segundo a advogada Liliana Gonzalez, o Equador tem em média 7,84 estados de exceção por ano desde 2007, um total de 102 sem contar o último decretado por Noboa.

No meio das declarações de exceção, Lasso implementou dois decretos-chave, autorizando a posse e o porte de armas de uso civil para defesa pessoal, e ordenando às Forças Armadas executar operações para enfrentar o terrorismo.

Daniel Noboa chegou ao poder no dia 23 de novembro de 2023, depois de uma campanha eleitoral marcada pelo assassinato do candidato presidencial e jornalista Fernando Villavicencio. Presidente mais novo da História do país, com 36 anos, Noboa acredita que a mão dura e a militarização são a saída para a onda de violência e insegurança.

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