No Brasil, a pernambucana Paula Affonso, de 39 anos, era advogada com carreira estável no serviço público federal. No Canadá, precisou bater ponto como operária de fábrica. Seu marido, José Arlan, de 43 anos, também advogado, trocou os ternos pelo macacão de peão de obra.
Após quatro anos no exterior, eles têm hoje uma casa com piscina, dois carros e nenhum arrependimento.
O casal e os três filhos estão entre os 11.425 brasileiros que se tornaram residentes permanentes do país em 2021, um aumento de 116% em relação aos 5.290 de 2019, último ano antes da pandemia.
O aumento fez com que o Brasil se tornasse o sétimo país que mais exportou residentes permanentes para o Canadá no ano passado.
Segundo dados do órgão de imigração canadense, o Immigration, Refugees and Citizenship Canada (IRCC), em 2020 o Brasil já começava a se destacar, mesmo diante do recuo generalizado na imigração causado pela pandemia.
Naquele ano, os brasileiros apareceram pela primeira vez na lista das dez nacionalidades que mais imigraram para o Canadá, na 9ª posição, com 3.695 residências permanentes concedidas. Neste ano, até 17 de julho, já são 4.110.
“A crise econômica e a violência no Brasil são elementos centrais que motivam a saída do país. Soma-se a esse contexto a polarização política, que faz com que as pessoas tenham cada vez menos confiança no futuro do Brasil”, aponta Leonardo Paz, analista de Inteligência Qualitativa no Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Mas o caminho é árduo para obter a permissão para viver de forma definitiva no Canadá.
“Eu ficava oito horas em pé por turno, colocando pepperoni em pizzas em uma fábrica e começava de madrugada. Depois emendava mais quatro horas como assistente de marketing em outra empresa”, lembra Paula.
Ela também foi lavadora de pratos em uma cafeteria e balconista de loja de lingerie, além assistente administrativa e jurídica, funções que acumulava com a de estudante de Marketing no Fanshawe College, em London, cidade na Província de Ontário.
Curso superior é porta de entrada
Fazer um curso de nível superior no Canadá, como Paula, foi o caminho escolhido por 43,5% brasileiros que se tornaram residentes permanentes no país em 2021, segundo o IRCC.
Isso porque, além de preparar o estudante para o mercado de trabalho local, um diploma canadense conta pontos no Express Entry, sistema online do governo que avalia os candidatos a imigrantes.
A pontuação leva em conta fatores como idade, nível de inglês e francês, formação acadêmica e trajetória profissional para escolher quem receberá a residência permanente.
“Cada vez mais, o Canadá prioriza quem estudou e trabalhou no país. Na visão do governo, essas pessoas já estão inseridas na cultura local, suprindo a necessidade de mão de obra”, afirma Camilla Lopes, diretora da agência de intercâmbio educacional Hi Bonjour, que levou mais de 5 mil brasileiros para o Canadá desde 2013.
Para atrair estudantes internacionais, o Canadá concede permissão de trabalho em meio período durante os estudos. Além disso, o cônjuge pode trabalhar em período integral, e os filhos têm acesso à escola pública gratuita.
Os benefícios permitem que as famílias consigam ter renda em dólares para cobrir as despesas do dia-a-dia.
Ao concluir o curso, o estudante tem direito ao Post-Graduation Work Permit (PGWP), permissão para trabalhar em tempo integral no Canadá por até mais três anos.
“É geralmente neste período que a residência permanente é conquistada”, ressalta Lopes.
Muitos imigrantes, porém, desistem e voltam para o Brasil. Os motivos incluem não aguentar a rotina pesada ou ver as economias em reais acabarem.
“Nunca vivi como turista. Nunca torrei dinheiro. Conheço gente que quebrou e voltou. Quem se dedica na fase inicial é recompensado depois”, conta Paula, acrescentando que, antes da residência permanente, o marido cogitou desistir algumas vezes.
“No inverno, só com os olhos de fora, o frio na obra é um desespero. No verão de 40 graus, ele já chegou em casa desidratado”, diz.
Porém, motivado pela alta remuneração na construção civil, Arlan segue firme. “Este tipo de emprego, assim como os de eletricista, marceneiro e operador de máquina, não é malvisto aqui como é no Brasil. Não é preciso ter títulos para ganhar muito bem e ser respeitado”, observa a pernambucana.
Paula se formou na faculdade em 2020, dois anos após chegar ao Canadá. “A vida é outra depois da formatura, quando o estudante também pode trabalhar em período integral”, afirma.
Atualmente, ela é consultora educacional para interessados em iniciar a jornada no Canadá com visto de estudante. Além disso, é empresária no ramo de aluguel de imóveis e profissionalizou sua página no Instagram (@paulanocanada), onde dá orientações sobre vida no país para cerca de 25 mil seguidores.
“Nunca imaginei que iria empreender no exterior, mas aqui isso foi possível”, diz.