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Cláudia Fam Carvalho Culpa de quem?

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São tempos difíceis, desafio enorme que exige criatividade, inovação, flexibilidade e habilidade de sair do comum na busca de alternativas. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Não é de hoje que queremos insaciavelmente encontrar um culpado pelo nosso mal estar. Quem nunca se viu culpando um namorado pelo término de uma relação que é feita a dois? Quem não culpou a mãe pelos seus defeitos? Quem não atribuiu às más companhias o problema comportamental do filho? É ‘demasiadamente humano’ atribuir aos outros a culpa dos nossos fracassos e frustrações; isso alivia, de certa forma, nossa ansiedade porque tira dos nossos ombros a responsabilidade frente ao evento negativo. É um recurso que utilizamos com frequência, mas vale lembrar que ele é perigoso. Ao mesmo tempo que nos traz alívio, nos coloca na posição de vítimas incapazes de mudar a situação e com pouca ingerência sobre os nossos futuros.

É oportuno pensarmos nisso, porque vivemos uma verdadeira caça aos algozes do mundo. Por vezes é o presidente que ocupa esse posto, em outros momentos é o governador, o prefeito, a China, e, dessa, nem o Papa se escapou. Até a blogueira Pugliesi foi execrada em praça pública por fazer um jantar de poucos casais. Sabe-se lá se já tinham tido covid? Confesso que não me aprofundei nisso, mas ninguém quis saber e a menina partiu de musa à homicida em fração de segundos. Esse é apenas mais um exemplo de pessoas submetidas a um julgamento popular, condenada e privada de liberdades fundamentais, mas tudo feito em nome da solidariedade e da vida, de forma bizarra. Estamos quase acusando de subversivos pessoas que encontraram suas mães no dia das mães, para se ver o absurdo a que chegamos.

Muitas figuras públicas estão sendo culpados pelo caos que o mundo se tornou desde o início da pandemia, como se fosse do Trump ou do Bolsonaro a culpa das mortes por covid-19.

Na minha avaliação é extremamente contraproducente ficarmos fixados nessa culpabilização, dada a gravidade do problema que obviamente não tem um único culpado e nem solução mágica.

É impressionante que mesmo num momento como esse de extrema incerteza (tanto quanto ao vírus, quanto a melhor estratégia para lidar com ele, com as evidentes limitações de dados científicos), tenho observado uma falta total de humildade nos comentários das pessoas.

Todos viraram mestres da sabedoria, médicos, economistas, juízes, e daí vai.

Como alguém se autoriza a chamar um presidente de Bozo e rir das suas tentativas de colocar comida na mesa de milhares de brasileiros que perderam seus empregos nessa crise global? Como ousam dizer que ele é genocida porque se preocupa com a economia?

Ai vão alguns dados: a Unicef declarou nessa semana que 6 mil crianças podem morrer diariamente nos próximos 6 meses em decorrência do enfraquecimento dos sistemas de saúde provocado pela crise do coronavírus. Aqui em Porto Alegre houve um aumento de cerca de 20% das mortes em casa em decorrência do medo das pessoas buscarem atendimento.

Enquanto pensávamos que faltariam médicos, enfermeiros e técnicos nos hospitais para atender a demanda de doentes pelo novo coronavírus, a realidade foi de que nossos hospitais ficaram vazios. Atendimentos e cirurgias eletivas foram suspensas e pessoas deixaram de tratar suas enfermidades, mesmo emergências, e trabalhadores de saúde perderam seus empregos por dificuldades financeiras enfrentadas pelos hospitais em virtude da interrupção abrupta de suas atividades preconizada pelo #ficaemcasa. Pelo menos 2 hospitais aqui da capital demitiram mais de 200 funcionários, de que tenho conhecimento. Se até o setor da saúde está sofrendo, o que se pode dizer sobre o comércio e turismo?

Claramente nossas opiniões tem que ser colocadas em xeque a todo o momento e as medidas readequados de local para local, com maior rapidez. Aqui no Rio Grande do Sul, apesar do modelo inédito implementado, super interessante e coerente, o remédio está sendo mais duro do que a doença e temo que ficará amargo demais.

São tempos difíceis, desafio enorme que exige criatividade, inovação, flexibilidade e habilidade de sair do comum na busca de alternativas. Precisamos urgentemente de soluções e não de culpados, afinal, caça-as-bruxas já passou.

Cláudia Fam Carvalho

Médica Psiquiatra e Psicoterapeuta 

Membro associado APRS e CELG 

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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