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Carlos Alberto Chiarelli Da potência à penúria

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A Argentina corre contra o tempo para evitar uma nova e grave crise econômica. (Foto: Reprodução)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Sou pelotense que, até os 18 anos viveu em Uruguaiana, na tríplice Fronteira, Brasil, Uruguai e Argentina. Criei-me como um fronteiriço. Tive a vantagem de, na prática, aprender a falar (e também a escrever) os dois idiomas, português e espanhol.

Um grande programa para nossa turma (jovens de 13 a 15 anos) era, a cada semana, fazer uma visita a Paso de los Libres, achando que chegaríamos a namorar as librenhas. Em Uruguaiana, estudei o primário em escola municipal; o ginásio, num colégio metodista e o cientifico, no Santana, que era marista. Havia desafios esportivos de jovens que aprendiam e incorporavam face a fronteira a consciência de que o mundo era realmente universal porque logo aprendiam o fenômeno dos limites nacionais. Em Uruguaiana, por exemplo, líamos jornais que chegavam no mesmo dia de Buenos Aires e os de Montevideo, 24h depois.

Era tempo em que, por volta de 250 mulheres, as chamadas “chibeiras”, já conhecidas, tinham um permisso da aduana argentina para fazer uma “importação artesanal”. Tecnicamente, um contrabando consentido. A Argentina parecia praticar uma política assistencial internacional. As mulheres cruzavam, como se dizia, os mais de 2km da ponte. Diariamente, iam buscar no comércio argentino toda sorte de alimentos que eram flagrantemente melhores que os nossos. Cada família que tinha seu automóvel também fazia suas compras desde a alimentação normal até ternos, vestidos, camisas, sapatos no “lado de lá”. Isso tudo acontecia enquanto o peso argentino era recebido, no Brasil, quase com avidez. Quando argentinos compravam no Brasil, as poucas coisas que os atraiam (café, cigarro, pneus, cachaças, feijão preto, etc.,) o peso chegou a valer até, que eu me lembre, 12 mil réis. Ou uma moeda brasileira sucedânea.

Hoje, tomando informação do Banco Central Brasileiro, no seu valor oficial, cada real vale 49,90 pesos. É uma virada espantosa. Esses dados das moedas, antes e agora, identificam o quadro pré falimentar por que passa a Argentina (em matéria de inflação, os portenhos – pelos órgãos oficiais admitidos – ultrapassam os 120% anuais). Nos meus 15 anos, a Argentina figurava entre os 5 países do mundo em situação econômica, financeira, monetária e administrativa muito destacada. No período da Segunda Guerra Mundial, a nossa vizinha ficou neutra e, com isso, era, na prática, vencedora, lucrando com as consequências econômicas do grande conflito.

Alemães milionários, ante a derrota, acreditaram que o recomendável era vir para a América e a um país de economia sólida, população civilizada, governo militar populista (tipo Argentina com a subida de Perón) de portas abertas, pronta a vincular-se com “fugitivos investidores financeiros”.

Não ficou nisso essa jornada portenha de milhões. Ela se iniciara no decurso da própria guerra. Os judeus perseguidos pelos nazistas trataram de correr dos impiedosos critérios punitivos do Führer e, estranhamente, por motivos semelhantes aos dos alemães, pareceu-lhes que o lugar para ficar a salvo dos nazistas era a Argentina. E para lá foram com suas fortunas.

Mais uma vez crescia “o bolo” das inversões nessa terra de todos e de ninguém. Foram quase que em caravanas. Temiam o desconhecido, mas tinham a convicção de que estariam a salvo.

Com Peron e sua ditadura “justicialista”, destacou-se sua mulher, Evita, que fazia as vezes de líder populista; era cantora de boleros em casas noturnas de segunda e nutria um desejo profundo de vingança dos apoderados portenhos que a desprezavam e a escorraçavam juntamente com suas lideranças sindicais. Surpreendentemente amparados pelos poderosos militares, o coronel Peron ofereceu destaque e poder aos quadros do Auto comando do exército ao coronel na área política da Argentina. Suas dificuldades eram a Marinha e a Força Aérea, que tentaram alguns movimentos hostis, mas não foram bem sucedidos. A surpreendente concentração de poder, exercido ditatorialmente por Peron, gerou uma estrutura administrativa pesada e burocrática. O poder público ficou inchado de companheiros peronistas e o estado passou a ser deficitário. Enquanto isso, Evita, que era a grande mobilizadora das massas pobres (e que levou a população carente a segui-la com mais fervor do que ao próprio Peron) estava em depressão.

O governo, através da sua máquina publicitária, matinha sua imagem em destaque, mas a primeira dama via-se progressivamente fragilizada, derrubada pelo câncer que a matou. Pouco tempo passado, Peron se transforma em um viúvo namorador de jovens adolescentes. Há uma queda de prestígio que abala o país. Os militares já mostravam algumas lideranças divididas.

De outro lado, a CGT (Confederação Geral de Trabalhadores) ganhara espaço e mobilizava parte significativa da população. No entanto, o quadro sindical também mostrava divisionismo porque Evita, estando enferma, não conseguira definir os seus sucessores. O processo numa continuidade visível era de perda de espaço e do prestígio do país. Mesmo em cerca de 50 anos ainda sobrava para a Argentina algumas reservas de sustentação. No entanto, a total falta de confiança do governo repetia vícios e problemas.

Hoje, o país chega ao seu ponto crucial, que se representa nas missões repetidas do seu presidente (Antônio Fernandez) que nesses últimos 6 meses do governo Lula esteve no Brasil, somando as visitas do período eleitoral números extravagantes de presenças: 6 a 7 vezes veio conversar com Lula, antes candidato e agora presidente. Todas as vezes o objetivo era (e é) de apelar ao companheirismo generoso do colega brasileiro, segundo afirmava.

Enfim, atitudes ruinosas são peculiares aos maus políticos. É bom lembrar que Kirchner (hoje falecido), que pensava ser o San Martin do século atual, na verdade não era San Martin nem o século era XXI. Em pleno fanatismo, tais ideias absurdas falecem.

Com a força do luto e do pesar explorando a morte do seu esposo, elegeu-se a viúva, Cristina Kirchner. O que, para muitos, foi uma tragédia; para outros, pareceu ajustável a situação o aproveitamento de uma frase poética: No llores por los Kirchners, Argentina.

Veio, então, Fernandez. Quando de sua vitória eleitoral, só falava em reeleição. Parece que se enganou feio. Nesta sua gestão, viu o Peso despencar vergonhosamente. Os próprios argentinos, sem guardar segredo, dizem que o peso não vale nada; o que cresce incontrolavelmente é a inflação (segundo os estudiosos, já passou de 132% ao ano).

O descrédito é geral. Os sindicatos já organizam passeatas anti governamentais, as dívidas externas estão no departamento do calote. Lamentavelmente, há quem relembre, entre os portenhos – e são muitos e dignos – mais conservadores, que um presidente argentino de antes referente ao Brasil proferisse a frase histórica: “Tudo nos une, nada nos separa”. Será? Quem comandará o tempo será a esperança.

Carlos Alberto Chiarelli foi ministro da Educação e ministro da Integração Internacional 

 

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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