Sexta-feira, 25 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 7 de setembro de 2023
A deflação dos preços no atacado é um dos fatores por trás da piora da arrecadação de tributos neste ano. A dinâmica recente das receitas com tributos afasta ainda a tese de que o país viveu uma melhora estrutural da arrecadação, como chegou a argumentar a equipe do então ministro da Economia, Paulo Guedes, e que foi usada para justificar as desonerações realizadas pelo governo federal no passado, como a dos combustíveis e do IPI.
O tema foi abordado na semana passada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao comentar o projeto de Orçamento de 2024. Ele falou que a equipe econômica precisou antecipar o envio de algumas medidas de arrecadação justamente porque, nos modelos da receita federal, o peso do IGP é muito grande para corrigir a projeção das receitas futuras. “E o IGP está em deflação este ano (…) O que é discrepante da despesa, que a gente projeta pela inflação oficial.”
No acumulado dos oito primeiros meses do ano, o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) acumula deflação de 5,28%. Em 12 meses, a queda é de 7,20%. É uma forte reviravolta em relação ao período anterior, quando os preços no atacado explodiram em meio ao choque dos preços de commodities e problemas com as cadeias globais de suprimentos. Em maio de 2021, o indicador em 12 meses apontava alta de 37%.
Já a arrecadação federal alcançou R$ 201,8 bilhões em julho, queda real de 4,2% na comparação com o mesmo mês do ano passado. No acumulado do ano, a arrecadação teve queda real de 0,39%. Neste caso, há também um forte contraste: em julho de 2022, em meio a uma sucessão de recordes, a arrecadação teve alta real de 7,47% sobre o mesmo mês de 2021 e 10,44% no acumulado do ano.
Uma variação mais alta dos preços no atacado, na comparação com a inflação do consumidor, afeta positivamente o endividamento por dois canais. O primeiro é propriamente sobre a arrecadação, já que o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) reagem muito mais fortemente ao IGP-M que ao IPCA.
“Quando a arrecadação começou a surpreender sistematicamente na pandemia, teve esse debate sobre se a elasticidade da arrecadação em relação ao PIB havia aumentado e se passaríamos a arrecadar estruturalmente mais. Mas já naquele momento também surgiu uma outra resposta – que a gente achava melhor – de que a elasticidade das receitas em relação à variação do PIB não mudou, o que houve foi um choque inflacionário que mexeu nos preços relativos e isso aumentou arrecadação de alguns setores”, diz Mariana Silva de Freitas, economista do Bradesco.
Historicamente, diz Mariana, a relação IGP/IPCA oscilava perto de 1,3, mas saltou a 1,7 no choque recente. Desde então, retrocedeu para perto de 1,5. Apenas esse retorno parcial significou cerca de R$ 30 bilhões a menos em arrecadação, calcula.
O segundo vetor pelo qual o salto dos preços do atacado influencia o endividamento é através do chamado deflator do PIB, indicador que desconta a alta de preços para calcular o desempenho real da economia. Ele foi de 11,4% em 2021 e 8,2% em 2022, contra um IPCA de 10,06% e 5,79%, respectivamente.
Essa diferença é importante porque é o IPCA que corrige as despesas do governo. Logo, se o PIB (e a arrecadação) cresce a uma velocidade superior à dos gastos, a razão dívida/PIB cai.
Ocorre que esse choque de preços relativos começou a retroceder, mas não voltou inteiramente à tendência pré-pandemia e também não existe um bom motivo para que isso não ocorra em algum momento, afirma Mariana. Em suas contas, caso a relação IGP/IPCA retornasse à tendência, esse movimento poderia tirar 1,5% do PIB em termos de arrecadação do setor público e pressão adicional de cerca de 1,5 ponto percentual sobre a relação dívida/PIB.
Uma volta rápida à tendência pré-pandemia, no entanto, não é o cenário base. Após a deflação do IGP-M em 12 meses beirar os 8% em julho, ela desacelerou para 7,20% em agosto e deve continuar refluindo. O Bradesco prevê que encerre 2023 em -4,5% e volte ao terreno positivo em 2024. Já o Santander espera contração de 3,4% e alta de 4% para o indicador neste e no próximo ano, respectivamente.
“A melhor fase em relação a essa questão para o fiscal ficou para trás. Daqui em diante, preocupa o quanto essa relação vai devolver”, diz Italo Franca, economista do Santander. “Nas nossas projeções, a gente espera que esse patamar se estabilize acima da tendência pré-pandemia. Não é um ganho estrutural, mas de nível da arrecadação, porque essa mudança dos preços relativos não deve se reverter completamente.”
Em seus cálculos, ele também chega a uma melhora na arrecadação de 1,5% do PIB com o pico recente dos preços no atacado. Desse total, no entanto, ele crê que 0,5 ponto vai permanecer.