Responsável pela prisão do anestesista Giovanni Quintella Bezerra por estupro de vulnerável, a delegada Bárbara Lomba avalia que o médico tinha plena noção do que fazia ao atacar sexualmente uma parturiente no Hospital da Mulher Heloneida Studart, na Baixada Fluminense (RJ). A delegada, que é titular da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), de São João de Meriti (RJ), e conduz o inquérito sobre o caso, contou que também investiga o suposto excesso de sedativos administrados aos pacientes pelo profissional.
“Não vou dizer que ele é maluco. Para o direito penal é muito claro, não houve comprometimento do entendimento dele. Para uma pessoa ser inimputável, não basta ter uma doença mental, tem que estar comprovado que a doença comprometeu o entendimento da ilicitude”, afirma a delegada. “Não é o caso. Entendo que ele tinha discernimento pleno da ilicitude. Não vou chamar de doente.”
Qual a prioridade da investigação neste momento?
Quero ouvir as outras duas mulheres operadas no dia 10 e a própria vítima, a mulher que foi filmada. Essa é a minha prioridade agora, até porque o caso dela está atrelado à prisão em flagrante. Mas não queremos pressionar, estamos indo com muita cautela, vendo o dia melhor, para não expô-la ainda mais.
Até agora, então, a senhora ouviu outras três mulheres? O que elas contam? Elas têm consciência de que houve estupro?
Elas contam situações semelhantes de sedação. Contam o que aconteceu antes e depois, há vários pontos nos depoimentos indicando que aconteceu a mesma coisa. Elas falam que a sedação não parecia necessária, e uma delas chegou a questionar o médico, dizendo que isso não tinha acontecido em partos anteriores. Ele retrucou, dizendo que ela precisava relaxar. E ela disse que não estava nervosa. Tudo indica que o mesmo crime tenha sido praticado.
Além do estupro de vulnerável, podemos entender que houve crime de violência obstétrica por conta da sedação excessiva?
A violência obstétrica já está comprovada de qualquer jeito. Podemos ter ainda outros crimes se comprovarmos, por exemplo, que a sedação não foi justificada ou consentida, que foi usada alguma droga desnecessariamente, que expôs a mulher a perigos, enfim. Podemos caracterizar ainda outros crimes.
A defesa do anestesista pode alegar que a prova principal, o vídeo, não é válida?
O vídeo foi gravado em um ambiente público, do serviço público, não um ambiente particular, privado. Foi feito por servidores públicos que participavam daquele procedimento, não foi gravado por terceiros. Não houve ilegalidade nenhuma.
Outros médicos que trabalharam naquele dia com Giovanni já prestaram depoimento. Eles não notaram nada de estranho?
Do estupro não. Aquela tinha sido a primeira cirurgia do obstetra e da pediatra com esse anestesista, não tinham estado com ele antes. Um deles falou que chegou a estranhar a sedação, mas confiou que o anestesista teria tomado a decisão por alguma razão específica. Além disso, eles ficam muito focados na criança e na mulher, como a gente pode ver no vídeo. Mas ainda vamos ouvir outros médicos que trabalharam com ele.
As enfermeiras e técnicas de enfermagem já desconfiavam dele há muito tempo?
Não, até porque ele não trabalhava lá havia muito tempo e nem sempre os plantões desse grupo coincidiam com os dele. Foi relativamente rápido. Quando elas entenderam que havia alguma coisa estranha, mas não sabiam o que era, tentaram ficar mais perto dele, se fazer mais presentes, até para entender melhor o que estava acontecendo. Ele percebeu e começou a tratá-las mal, com intimidação, assédio moral.
Ele exercia o poder para tentar intimidá-las. Na segunda cirurgia realizada naquele domingo, 10, duas enfermeiras perceberam que ele estava com uma ereção. Elas só conseguiram perceber isso porque houve um problema em uma placa e foram obrigadas a se aproximar mais. Isso foi a gota d’água, contaram, ‘temos que fazer alguma coisa, isso não tem cabimento’. Por isso houve a decisão de filmar, elas achavam que seria muito mais difícil se fosse só o depoimento delas. E seria mesmo, temos que admitir.
Por que? Não haveria crédito no relato?
O relato teria força, obviamente, era muito grave. Mas teria que haver toda uma apuração, haveria várias alegações da defesa. Mesmo quando não há descrédito do relato, mesmo que fosse levado a sério, e aqui na nossa delegacia certamente seria, é muito mais difícil. A prova é muito mais contundente. Até porque, como eu disse, até aquele momento ninguém nem sabia exatamente o que ele fazia, ninguém imaginava o que era.
Como a senhora responde à alegação de que ele seria maluco?
Eu não vou dizer que ele é maluco. Para o direito penal é muito claro, não houve comprometimento do entendimento dele. Para uma pessoa ser inimputável (não poder ser responsabilizada por um crime), não basta ter uma doença mental, tem que estar comprovado que a doença comprometeu o entendimento da ilicitude. É uma pessoa que está fora de si, que não sabe o que está fazendo. Nesses casos, a gente pede um incidente de insanidade. Eu mesma já fiz isso. Mas não é o caso. Entendo que ele tinha discernimento pleno da ilicitude. Não vou chamar de doente.
No mês passado, uma procuradora foi espancada por um colega de trabalho e o crime foi filmado. Ainda assim, o delegado considerou que não houve flagrante e não o prendeu imediatamente; apenas depois, preventivamente. A senhora acha que a defesa pode alegar isso? Que o vídeo não é um flagrante?
Não, não existe isso. O que existe é eles tentarem dizer que a prova seria ilícita, mas isso certamente é refutável e será refutado se houver essa alegação. Sobre a questão do flagrante, ele foi capturado logo após o crime, estava isolado em um local do hospital, afastado de suas funções, tinha sido comunicado pela direção que havia um problema com uma paciente. E o fato tinha acabado de acontecer. As enfermeiras levaram o vídeo à direção do hospital logo após a cirurgia e a direção nos acionou.