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Por Redação O Sul | 19 de março de 2020
Apelidada pelo escritor americano Henry James de “a cidade da conversa”, por congregar na mesma mesa de bar políticos rivais, lobistas e ativistas, Washington D.C. talvez possa ser descrita hoje como a cidade do silêncio.
Nem calçada se compartilha mais na capital americana: basta que um dos transeuntes aviste alguém na outra ponta do passeio para tomar a decisão imediata de atravessar a rua.
Há uma semana em estado de emergência pela epidemia de coronavírus, parte importante dos grandes escritórios da cidade determinou que seus funcionários passassem a trabalhar em seus lares.
O que se viu no fim de semana foi um curioso trânsito na rua de monitores e teclados que as pessoas levavam do trabalho pra casa. Washington tem 600 mil habitantes e mais de 40 casos confirmados da covid-19, doença causada pelo vírus.
“Nem depois do 11 de Setembro vi a cidade viver um choque tão grande, uma quebra total da sua rotina. É uma cidade de encontros, nosso trabalho é ser social, e agora não temos como fazer isso mais”, afirma a consultora Gabrielle Trebat, que vive em D.C. há mais de 20 anos e que já atuou como assessora de parlamentares e na campanha presidencial de Al Gore.
Atualmente ela se desdobra entre atendimentos de clientes em vídeoconferência, “homeschooling” do filho e a faxina da casa enquanto cumpre quarentena por ter tido contato com pessoas contaminadas com coronavírus.
Sem reuniões, sem museu, sem igreja
A epidemia que viria a calar Washington D.C. começou, oficialmente, em um evento típico da cidade: no fim de fevereiro, um doador da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), testou positivo depois de participar do evento.
Por ali passaram o presidente dos EUA, Donald Trump, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
O efeito em cascata foi imediato sobre os políticos republicanos – até o chefe de gabinete de Trump entrou em quarentena.
Ao mesmo tempo, o pastor de uma igreja episcopal em Georgetown anunciou estar com o coronavírus e pediu que todos os fiéis permanecessem em casa.
Foi provavelmente ali que um colega de escola do filho de Trebat contraiu o vírus. Dias mais tarde, o próprio diretor da escola estava doente.
A vida está em suspenso: pela primeira vez o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial cancelaram sua reunião de primavera para divulgar os prognósticos para a economia mundial – que costuma atrair ministros da Fazenda e presidentes do Banco Central de diversos países, incluindo o Brasil.
As senhoras de D.C., que ostentam finos chapéus ornamentados a caminho das missas ou cultos ao domingo, desapareceram das ruas conforme as pregações passaram a ser online ou foram simplesmente canceladas.
“Duas coisas agora estão claras: a distância social é necessária para impedir a propagação do coronavírus e as populações em maior risco estão altamente representadas entre nossas congregações e clérigos”, afirmou a Bispa Mariann Budde, em referência aos idosos, que são a maioria dos fiéis, na carta em que anunciava, há seis dias, o fechamento de mais de 250 unidades da igreja episcopal na região.
Os 19 mundialmente famosos museus da rede Smithsonian, que abrigam, por exemplo, o mais completo fóssil de Tiranossauro Rex já encontrado ou a maior quantidade de artefatos espaciais do mundo, anunciou que fecharia as portas como parte do esforço no combate ao vírus.
A Galeria Nacional adiou uma recepção para convidados para sua nova exposição de obras do francês Edgard Degas.
As universidades Georgetown e George Washington cancelaram suas aulas presenciais. As escolas públicas da cidade pararam – deixando sem aula os quase 50 mil alunos da rede.
Não há prazo determinado para que a vida volte ao normal na cidade, mas a expectativa é de que isso pode levar meses, já que o presidente Trump acredita que a epidemia durará até agosto no país.
O Congresso Nacional deve entrar em recesso assim que terminar de aprovar um pacote de emergência de US$1 trilhão para trazer alívios aos americanos em meio à crise econômica derivada da pandemia.
Sob extrema pressão de parlamentares, que pediam suspensão das sessões pelo temor de uma epidemia entre eles, a presidente da Casa dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, definiu a sensação de desconsolo na cidade: “Nós somos os capitães do navio. Somos os últimos a abandonar o barco”.