Ok, nós vamos reconhecer. De fato a democracia está ameaçada no Brasil. Talvez, diga-se de passagem, como “nunca antes na história deste país”, tomando emprestada a expressão do Homem Mais Honesto da República.
Sim, vamos dar razão à Rede Globo, aos partidos da oposição, aos perdedores da eleição de 2018. Sim, existe um golpe em curso. Existe uma ameaça concreta à democracia brasileira, à harmonia constitucional entre os poderes, e à sobrevivência das instituições, dentre elas a imprensa.
Sim, temos uma crise institucional que, em meio ao maior desafio de saúde pública da nossa geração, ameaça a tão necessária estabilidade do país.
Mas quem, de fato, é o causador?
Neste momento, políticos de partidos da base do governo Jair Bolsonaro, jornalistas e donos de portais conservadores da Internet, estão sendo presos e julgados em um inquérito, aberto por determinação do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, para apurar eventuais ameaças e inverdades contra ministros da Suprema Corte, o que a imprensa tem chamado de “inquérito das Fake News”.
Trata-se da velha e surrada história de que Bolsonaro teria levado 57 milhões de eleitores a lhe darem a mais consagradora vitória das últimas eleições presidenciais, baseado em disparos de WhatsApp e mentiras falsas. Gente que até hoje se recusa a reconhecer que o PT foi majoritariamente rejeitado, pela imensa maioria do eleitorado brasileiro, indignado com a corrupção desenfreada, a roubalheira escancarada, os escândalos de propinodutos os mais diversos produzidos nos seus mandatos. Tudo isso teria sido somente fruto de mentiras disparadas pelo WhatsApp.
Mas agora, temos a Suprema Corte comprando esta patacoada. Num inquérito absolutamente ilegal, visto que rompe com o sistema acusatório instaurado pela Constituição de 1988, em que há necessária separação entre quem julga e quem acusa. Neste inquérito, no entanto, o STF acusa e julga ao mesmo tempo, retroagindo ao modelo inquisitório, além de estabelecer ministro relator desde o princípio, violando o princípio da impessoalidade.
Como se não bastasse, a “cereja do bolo” da ilegalidade: O STF, como qualquer outro tribunal, não age de ofício. Ele só pode instaurar inquérito se for para apurar crimes e irregularidades ocorridos dentro das dependências do STF. Ora essa, pegaram esse artigo 43 do Regimento Interno e lhe deram uma interpretação “elástica”, dizendo que na era moderna, as “dependências” bem poderiam ser… as redes sociais! Sim, senhores! O Facebook e o Instagram não são mais do senhor Mark Zuckerberg. Eles pertencem ao STF!
Como esse açodamento, os nossos ilustres ministros podem dar razão aos que suspeitam de motivações outras, para apear do poder um governo eleito, legitimado pelo voto de milhões de brasileiros. Porque não houve um inquérito do STF para apurar o ex-procurador Rodrigo Janot, que confessou em livro ter entrado armado no tribunal para atirar em Gilmar Mendes? Porquê o MST, que tantas vezes alvejou o próprio prédio da instituição, não foi alvo de inquérito semelhante?
A Democracia pressupõe o direito à livre expressão, e a criticar, mesmo em termos duros, qualquer autoridade, inclusive nossos Ministros da Suprema Corte. Se assim não for, cria-se uma casta de pessoas superiores, acima da crítica, e isso sim, desalinha a democracia.
Colocá-la nos trilhos depende somente dos senhores ministros
Tarso Teixeira – Superintendente do INCRA no Rio Grande do Sul