Domingo, 09 de março de 2025
Por Redação O Sul | 8 de março de 2025
Questionamentos sobre regras processuais e sobre a imparcialidade do ministro Alexandre de Moraes dominam as primeiras manifestações das defesas dos denunciados no inquérito do golpe. Os advogados apresentaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma série de objeções envolvendo a tramitação do caso e a organização da denúncia.
Com base em argumentos técnicos sobre o que consideram “vícios” formais no andamento da investigação, as defesas dos acusados tentam encerrar o inquérito sem a análise do mérito. Todas as questões preliminares precisam ser consideradas pelos ministros no julgamento da admissão da denúncia. A tendência, porém, é de que a acusação seja recebida neste primeiro semestre.
Desde quarta-feira, os denunciados estão encaminhando ao STF suas defesas prévias – conjunto de argumentos para tentar convencer os ministros a recusar a denúncia e, assim, encerrar o caso. É a primeira oportunidade que as defesas têm de se manifestar formalmente sobre as acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR). Os advogados tiveram 15 dias para analisar a denúncia e as provas e enviar suas versões.
Os memoriais dos denunciados questionam, por exemplo, a competência do STF para processar e julgar o caso. As defesas alegam que os acusados não têm mais foro por prerrogativa de função e, por isso, o processo deveria tramitar na primeira instância. Alguns ocupam cargos públicos, como o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), mas os advogados afirmam que as acusações não têm relação com o exercício do mandato.
Ramagem, ex-chefe da Abin, usou a eleição dele para a Câmara como argumento para rebater a denúncia. A defesa afirma que não faria sentido acreditar que “uma pessoa que acabara de ser eleita deputado federal, após tanto esforço e dispêndio de recursos materiais e pessoais, fosse capaz de atentar contra os ‘Poderes constitucionais’”.
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres – que era secretário de Segurança do Distrito Federal no 8 de Janeiro – foi outro que pediu que o processo seja remetido à primeira instância. Caso isso não ocorra, defende o julgamento no plenário do STF, e não na Primeira Turma – o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fez o mesmo pedido.
Torres declarou que foi denunciado “apenas e tão somente pelo fato de ter integrado o governo do ex-presidente”. E negou que tenha escrito a minuta golpista apreendida na sua casa. O documento previa a anulação das eleições de 2022. Os advogados alegam que o documento é apócrifo.
As defesas também insistem que não tiveram acesso a todas as provas da investigação. Advogados do general Mário Fernandes – ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência e acusado de ser o autor de plano para matar Mores e outras autoridades – alegam cerceamento de defesa por falta de acesso aos autos, queixando-se do método como Fernandes, que está em prisão preventiva, foi notificado sobre a denúncia. Segundo eles, o general recebeu um pen drive para acessar os autos, mas, sem acesso a computador, não pôde visualizá-los.
Moraes levantou o sigilo dos autos após receber a denúncia. A delação do tenente-coronel Mauro Cid também foi tornada pública. O ministro ainda compartilhou com todos os 34 denunciados provas de investigações sigilosas que têm relação com a denúncia – elas envolvem o “aparelhamento” da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o 8 de Janeiro. Segundo os advogados, o material não está completo e inviabiliza o exercício integral do direito de defesa.
Os questionamentos sobre a imparcialidade de Moraes para conduzir o caso também dominam os memoriais. As defesas alegam que ele não poderia relatar a ação porque a denúncia menciona um plano para executá-lo em meio à trama golpista. Dessa forma, sustentam os advogados, o ministro seria vítima e julgador. O STF, no entanto, trabalha com a noção de que a vítima de atos antidemocráticos é o Estado e não deve der personalizada.
A defesa de Bolsonaro pediu o afastamento de Moraes da relatoria do inquérito, mas apostou em outra estratégia. Para os advogados, devem ser aplicadas ao caso as regras do juiz de garantias, que preveem a divisão dos processos criminais entre dois magistrados, um responsável por conduzir a fase pré-processual e outro por analisar provas e julgar a ação.
Outro ponto contestado é a organização da denúncia. Ao enquadrar o ex-presidente como líder de organização criminosa armada que tentou dar um golpe de Estado, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, conectou diferentes episódios que, na avaliação dele, culminaram no plano golpista. Os fatos são encadeados a partir de 2021, marco do discurso de ruptura adotado por Bolsonaro, até a invasão da Praça dos Três Poderes, o clímax do movimento golpista, segundo a linha do tempo traçada por Gonet. Os advogados alegam que as acusações são genéricas e que os crimes não foram individualizados, o que prejudicaria o trabalho das defesas.
Os advogados do ex-presidente afirmam que não há provas que liguem Bolsonaro diretamente ao 8 de Janeiro. Argumentam que um golpe “demanda emprego de violência ou grave ameaça, aptas a impedir ou restringir o exercício dos Poderes constitucionais”, o que não ocorreu. “Ainda que se deseje criticar os discursos de Bolsonaro, ou censurar o conteúdo de reuniões com comandantes militares e assessores, tais eventos não se confundem nem minimamente com atos de execução.”
O general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), alegou que não teve acesso a todas as provas do inquérito e não poderia se “manifestar mais detidamente”. Agenda apreendida na casa dele levantou suspeitas sobre o uso da Abin para espionagens. A defesa diz que a PGR usou “anotações como se fossem apanhado de ideias” para “casar-se com a conclusão a que pretendia chegar”. “Verdadeiro terraplanismo argumentativo.”
Ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército, o general Paulo Sérgio Nogueira, foi acusado de pressionar a cúpula das Forças Armadas a apoiarem o golpe. Ele nega. “O general aconselhava o presidente que nada poderia ser feito diante do resultado das eleições e era totalmente contrário a golpe.” (Estadão Conteúdo)