No dia 22 de março deste ano, a Polícia Federal iniciou mais operação dentre tantas realizadas pela corporação para desmobilizar ações criminosas. Naquela manhã, os alvos eram um grupo vinculado uma facção paulista, considerada a maior do país, que planejava realizar ataques contra servidores públicos e autoridades. O nome de um dos alvos se destacou: o recém-empossado senador Sérgio Moro (União-PR), ex-juiz da Lava-Jato e ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Nove pessoas foram presas.
A ação frustrada da facção pretendia sequestrar Moro e negociar sua liberdade em troca da transferência do chefe da organização Marcos Camacho, o Marcola, da penitenciária de segurança máxima para o sistema prisional de São Paulo. De acordo com dados da investigação sigilosa, obtidos e publicados pela revista Veja, os bandidos sabiam que as chances da negociação ocorrerem eram mínimas, mas a provável execução do ex-juiz seria entendida como uma demonstração de força e poder da facção.
Dinheiro vivo
Entre outros detalhes divulgados pela revista consta o depoimento da proprietária da chácara, Tânia Castro. O espaço seria alugado para servir de cativeiro. A ideia da facção era sequestrar o ex-juiz no dia do segundo turno, 30 de outubro de 2022, assim que ele deixasse a zona eleitoral. O Clube Duque de Caxias, onde votava, ficava a 700 metros de sua residência. Moro estava sem seguranças desde o dia 24 de outubro.
A chácara ficava a 42 quilômetros de uma base de operações montada pelos criminosos num apartamento em Curitiba. De acordo com a proprietária, o espaço normalmente era utilizado para festas e eventos, e uma mulher a procurou em um aplicativo de imóveis e ofereceu pagar dez diárias pelo local. O pagamento seria em dinheiro vivo, e seria superior com a condição de que ninguém aparecesse no imóvel enquanto ela e seus hóspedes estivessem no local.
Tânia explica que no dia seguinte à ocupação pelos criminosos, as câmeras de segurança da chácara haviam sido desligadas, e a central para armazenar as imagens tinha desaparecido. A proprietária, segundo os documentos, teria pedido para um amigo policial vistoriar a região. Ao chegar, o local já estava vazio, somente com restos de refeição. “Só soube que aquele pessoal era da facção tempos depois, quando um delegado federal me telefonou para pedir que fizesse o reconhecimento de uma das pessoas envolvidas”, relata Tânia.
Dado errado
Moro era rastreado há pelo menos sete meses pelos criminosos, que alugaram um apartamento em Curitiba, no Paraná, próximo a casa do ex-juiz. Durante o período, o grupo rastreou os locais por onde o então candidato e sua família costumavam frequentar, além de hábitos e horários.
De acordo com as informações do inquérito, a movimentação de pessoas e carros no apartamento chamou a atenção dos vizinhos, que acionaram a imobiliária. Ao checar a documentação dos inquilinos, a imobiliária encontrou um erro na identidade de um deles: a cidade paranaense de Cascavel aparecia como se fosse no estado de São Paulo. A empresa entrou em contato com os locatórios e ameaçaram chamar a polícia. A facção, então, decidiu abortar o imóvel e a missão.
Delator
Em março, quando a operação da PF foi deflagrada, a colunista Malu Gaspar mostrou as autoridades se basearam no relato de um ex-membro da facção paulista que se converteu em testemunha protegida, depois de ser ameaçado de morte por um de seus líderes. A testemunha disse ao Ministério Público de São Paulo que havia um plano em curso, fornecendo os indícios para desmontar o sequestro.
Entre as informações entregues à PF constavam números de celulares e endereços de e-mail de integrantes da facção criminosa que tiveram o sigilo quebrado e passaram a ser monitorados. Os policiais reuniram cadernos com anotações e a contabilidade da ação, fotos dos criminosos durante a preparação e até imagens produzidas por drones dos locais onde a quadrilha se escondia.
As provas foram incluídas pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu Moro na Operação Lava-Jato em 2019, no despacho em que ela determinou a realização da operação. A testemunha forneceu quatro números de telefones aos policiais e também endereços de e-mails.
Segundo a testemunha, o líder do plano era Janeferson Aparecido Mariano Gomes, conhecido na facção como Nefo, Artur ou Dodge.
Um dos celulares monitorados é de Aline Paixão, namorada de Janeferson, a quem cabia guardar os códigos usados pela facção para se referir à operação de sequestro (Flamengo), ação (Fluminense) e Moro (Tokio). Nos prints recolhidos pela PF, Aline e Janeferson se chamam de “amor”.