Sexta-feira, 07 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 28 de novembro de 2020
Ao tomar posse em janeiro, cada um dos cerca de 5,7 mil prefeitos brasileiros estará ciente de que terá de partilhar a administração com a Câmara de Vereadores, fiscal por excelência de seus atos. Tem, ainda, que se sujeitar ao escrutínio de Tribunais de Contas.
Mas o que estão todos eles a aprender, a duras penas, é que, em face do cipoal legislativo que os submete e disciplina, passaram a ter um coadjuvante na administração do município, um órgão onisciente que não só os fiscaliza, como os processa em juízo, imiscui-se na gestão como se fora um poder paralelo e determina tudo o que pode e deve ser feito.
O Brasil talvez seja o único país onde o Ministério Público mantém equipes especializadas em investigar e processar gestores públicos com exclusividade, especialmente prefeitos. Tome-se o caso de Minas Gerais. Um quarto dos prefeitos do Estado – 214 de um total de 853 – se vê acionado em juízo por promotores que se dedicam em tempo integral a garimpar microscópicas irregularidades formais.
Em São Paulo, segundo levantamento do estudo Justiça e Cidadania no Brasil, organizado por Maria Teresa Sadek, nada menos que 247 – ou 38% – dos 645 municípios já tiveram seus prefeitos processados. Muitas ações são provavelmente procedentes, embora a quantidade de arquivamentos seja muito superior às condenações ao restar demonstrada a inocorrência de ilícitos.
Ativismo do MP
Essa avalanche de processos decorre da profusão de leis e do crescente ativismo do MP (Ministério Público) na área, até mesmo sob forma de “requerimento de informações” e “recomendações”, que se convolam em ações por improbidade caso não atendidos. Banalizaram-se elas de tal sorte que a vida pública se tornou empresa temerária e de alto risco para os que nas urnas são consagrados pelo povo como seus legítimos governantes. Eis uma seara na qual o mantra da “eterna impunidade” perde um pouco de significado.
Nestes tempos de anomia da Covid-19, membros do parquet de diversos Estados pretendem dirigir a administração municipal criando medidas de combate à pandemia. Não importa que a Constituição da República e o STF (Supremo Tribunal Federal) tenham assentado ser da competência dos governadores e prefeitos determinar as providências que escolham como as mais apropriadas e oportunas para o enfrentamento da patogenia – isentando-os até da obrigação de seguirem orientação do governo federal.
Ainda assim, muitos continuam a ser intimados pelo Ministério Público a tomar ou deixar de tomar certas medidas – como, por exemplo, a flexibilização do distanciamento social que eles próprios decretaram.
Chama mais a atenção o fato de o governo federal – o grande ausente no combate ao novo coronavírus e, mais do que isso, omisso na implementação de regras de proteção que todos devem observar – haver sido, até pouco tempo atrás, tratado tão diversamente. Foram raras e pontuais as iniciativas da PGR (Procuradoria-Geral da República) para compelir o Ministério da Saúde a cumprir o seu papel na crise sanitária.
E, muito menos ainda, empreender ações para obter do presidente da República cuidados sanitários mínimos, como evitar aglomerações e usar máscara em público – obrigação imposta pelo governo do Distrito Federal –, sob pena de multa. Mas em Belo Horizonte (MG), por atuação do Ministério Público, a prefeitura teve de revogar o decreto que impunha sanção pecuniária a quem não usasse essa proteção facial em público.
Tal ofensiva se insere na progressiva marcha da criminalização da atividade política no Brasil. É de duvidar que algum prefeito, mesmo o mais correto e escrupuloso, deixe o cargo após cumprir o mandato sem vários processos no currículo – e uma mancha na honra pessoal.
Pois um dos efeitos colaterais mais deletérios dessa escalada é o afastamento da administração pública de vocacionados homens de bem, que não ousam se expor – e expor a sua família – a ações judiciais por aquilo que tantas vezes não passa de simples equívoco administrativo ou divergência na interpretação de normas de administração. Tratada dessa forma, a vida pública acaba mesmo por ficar para os que têm nervos de aço, ou, então, nada a perder.
José Roberto Batochio – deputado federal (PDT-SP) e presidente do Conselho Federal da OAB