Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 3 de novembro de 2024
Estudo mostra que mudança no cérebro aparece antes do surgimento dos primeiros sintomas da depressão. Descoberta pode ajudar a prever quem pode desenvolver a doença. A depressão altera a comunicação interna do cérebro antes do aparecimento dos sintomas da doença, revelou um estudo divulgado recentemente. Usando um exame de imagem cerebral chamado fMRI, os pesquisadores descobriram que a depressão reorganiza uma importante área do cérebro ligada à motivação e atenção.
As mudanças foram detectadas antes do desenvolvimento dos sintomas da depressão, o que significa que os pesquisadores puderam prever quem iria desenvolver a doença e quem provavelmente não.
“A principal descoberta é que existe uma expansão da área do córtex ocupada por uma rede cerebral chamada de rede de saliência. Antes não se sabia que condições clínicas da depressão pudessem expandir as redes cerebrais”, afirmou Jonathan Roiser, neurocientista e especialista em depressão da University College London, no Reino Unido, que não participou do estudo.
O estudo, publicado na revista científica Nature no início de setembro, analisou a atividade cerebral de 141 pacientes com depressão e 37 sem a doença. O objetivo era encontrar como a doença altera a forma como as regiões do cérebro se comunicam entre elas.
“Nós geralmente observamos o cérebro a partir de como suas regiões se comunicam umas com as outras – como se todas elas entrassem em uma chamada telefônica em equipe. A questão é saber com quais outras regiões se está conversando e de qual rede se faz parte “, disse Miriam Klein-Flügge, neurocientista cognitiva da Universidade de Oxford, Reino Unido, que não participou do estudo.
Os pesquisadores descobriram que a chamada “rede de saliência frontoestriatal” foi expandida em participantes com depressão, em comparação com o grupo sem a doença. Essa rede é importante por orientar a atenção, focar nos estímulos relevantes que entram no cérebro e regular as respostas emocionais a eles.
“Ainda não se sabe exatamente o que essa rede faz, porém já se sabe que ela é importante para os sintomas de saúde mental, incluindo depressão e ansiedade”, disse Roiser.
Expansão da rede de saliência prevê depressão
A evidência do aumento da rede de saliência descoberta no estudo foi considerada um robusto indicador que poderia prever se as pessoas desenvolveriam depressão mais adiante na vida. Os pesquisadores descobriram que essa rede já estava ampliada em um grupo de crianças de 10 a 12 anos de idade que desenvolveram posteriormente depressão na adolescência.
Klein-Flügge disse que a descoberta era “empolgante e muito rara”. Para o estudo, os pesquisadores mediram a atividade cerebral dos participantes por um longo tempo, quando eles estavam bem e também doentes.
O estudo também mostrou que a força da rede de saliência está correlacionada com alguns sintomas da depressão, especialmente aqueles relacionados com a perda de prazer e motivação.
Mas ainda não é possível inferir a partir dos dados do estudo se as mudanças na rede de saliência estão relacionadas a alguma experiência psicológica particular ou a pensamentos depressivos, de acordo com Emily Hird, neurocientista da University College London.
O estudo não comparou a atividade cerebral com os sintomas ou pensamentos dos participantes – apenas analisou o “estado de repouso”.
Em vez disso, o remapeamento da rede de saliência pode ser visto como “um tipo de característica, um marcador de risco para ajudar a identificar pessoas vulneráveis a desenvolver depressão no futuro”, disse Hird.
Redes cerebrais são remapeadas na depressão
Mas se a rede de saliência se expandiu em pessoas com depressão, como ela se expande exatamente? Segundo Roiser, a rede é remapeada para incluir regiões do cérebro que normalmente não estão envolvidas na rede de saliência, incluindo regiões importantes para a depressão.
“Eles mostram que a rede de saliência se intromete em outras regiões cerebrais, inclusive em uma região que sabemos que desempenha um papel fundamental na decisão de se esforçar “, disse Roiser. “Isso é muito interessante porque sabemos que há uma relutância das pessoas com depressão em se envolver em tarefas que exigem esforço.”
Roiser e Hird acreditam que a pesquisa em andamento indica que os conhecidos efeitos antidepressivos do exercício podem estar relacionados à alteração da atividade nessa rede de esforço. “O exercício é bastante eficaz na depressão, pelo menos tão eficaz quanto os medicamentos antidepressivos ou a psicoterapia”, pontua Roiser.
Klein-Flügge ficou surpresa com o fato de o estudo não ter discutido uma região do cérebro chamada amígdala, que é importante para o processamento de emoções. “Essa área do cérebro tem estado no centro das pesquisas sobre depressão há décadas. Pode parecer que ela não é importante, mas sabemos, por meio de trabalhos anteriores, que ela é muito importante na depressão”.
Um novo “biomarcador” para a depressão?
Como a ampliação da rede de saliência foi tão estável e previsível em pessoas com depressão, Klein-Flügge sugeriu que ela poderia ser usada como um novo “biomarcador” potencial para a doença no futuro.
Um biomarcador é uma forma mensurável de os médicos detectarem uma doença ou distúrbio em pacientes – como o teste de antígeno para a covid. Nesse caso, o tamanho ou a “expansão” da rede de saliência medida em exames cerebrais poderia, um dia, ser um biomarcador para a depressão.
“Para saber se isso pode ser usado de forma confiável para prever a probabilidade de um indivíduo desenvolver depressão, são necessários ampliar as amostras e replicar esse trabalho”, disse Klein-Flügge.
Contudo, Roiser é mais cético. Ele não acredita que os cientistas encontrarão algum dia um biomarcador para a depressão. “Não acredito que a depressão seja uma entidade homogênea do ponto de vista neurobiológico, portanto, não haverá um biomarcador único para ela”.
Em vez disso, Roiser pensa nos sintomas depressivos como manifestações de muitos estados cerebrais diferentes. “É como os médicos costumavam pensar em hidropisia, que era o inchaço das pernas. Agora sabemos que a hidropisia não é uma doença, mas uma manifestação de muitas doenças diferentes”, explica.
Roiser acredita que a depressão é semelhante. “Os sintomas depressivos provavelmente surgem de uma interação complexa entre diferentes circuitos cerebrais que governam a forma como pensamos, sentimos e nos comportamos, com diferentes circuitos gerando sintomas em diferentes indivíduos”.