Domingo, 12 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 27 de outubro de 2019
Ela chegou a Brasília com mais de 264 mil votos e um perfil diferente: é jovem e mulher, em um cenário ocupado por uma maioria de homens de meia idade. Em dez meses de mandato como deputada federal, Tabata Amaral (PDT-SP) enfrentou caciques e ministros – e situações em que sua capacidade de fazer política foi questionada. “Já sofri assédio moral na Câmara”, afirmou a paulistana de 25 anos. “Nunca senti o machismo de maneira tão pesada quanto no Congresso Nacional.”
Um desses momentos, na opinião dela, foi quando votou com o governo – e contra a orientação de seu partido – na reforma da Previdência, recebendo críticas dos líderes do PDT, Ciro Gomes e Carlos Lupi, seguidas de sua suspensão da legenda. “O fato de eu ser mulher jovem tem muito a ver com o que foi dito”, disse a deputada, formada em Ciência Política e Astrofísica pela americana Harvard. “Espero que um dia debatam comigo como fazem com os homens.” A entrevista é do Jornal Estado de São Paulo.
Também se tornou emblemático o confronto entre ela e o então ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, na Comissão de Educação, uma das áreas de atuação da deputada. Vélez foi demitido pouco tempo depois. Tabata criticou a baixa representatividade feminina no ministério de Bolsonaro e elogia a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. “É bem intencionada.” Abaixo, os principais trechos da entrevista:
As mulheres conquistaram 15% dos cargos em disputa em 2018, o que foi um recorde. Mas representaram 31% das candidaturas. Qual o seu diagnóstico para a situação?
A gente erra primeiro na questão da representatividade. Se a gente não mostra exemplos de mulheres que estão na política, muita gente vai passar a vida sem considerar a possibilidade. A segunda barreira é que os partidos são criativos para utilizar o Fundo Eleitoral. Você vê todo o tipo de arranjos para não lançar candidaturas femininas. A terceira barreira é a mulher ter chance na campanha. Precisamos provar mais para conquistar espaço. A última barreira é resistir aqui (no Congresso). Ser questionada se você é casada, se algum homem está ditando seu mandato, se você toma as decisões sozinha. São deputados que me interrompem em votação, que dizem que eu não sou capaz para relatar um projeto – e falam isso no microfone.
Há situações claras de machismo no Congresso?
Já sofri muito assédio moral na Câmara. Isso machuca. As diversas formas de violência que se manifestam no micro. Hoje em dia, é menos frequente, mas sempre há alguém que me barra, que me empurra. Eu tenho consciência do machismo e lido com ele há muitos anos, mas nunca senti de maneira tão pesada quanto aqui.
A senhora já afirmou ao Estado que há machismo em parte das críticas que recebe. Foi o caso após votar a favor da reforma da Previdência, em que não foi a única pedetista dissidente?
O fato de eu ser mulher jovem tem muito a ver com o que foi dito. Diziam que eu servia a dois senhores, como se eu tivesse deixado de servir ao Ciro Gomes e ao Carlos Lupi (presidente nacional do PDT) para servir a outro homem. Queria que eles tivessem dito que eu deveria ter seguido o partido mesmo contra a minha convicção. Mas eles ignoraram o que eu disse, o que o PDT afirmou durante a campanha e as reuniões que eu pedi para debater o texto. Esse discurso de “qual é o homem que está dizendo como você vota?” ficou muito marcado. Talvez eles realmente acreditem que só um homem poderia dizer como eu estava votando. Espero que um dia eles debatam comigo como fazem com os homens.
As mulheres se articulam na Câmara para tratar das pautas consideradas femininas? O que une as deputadas?
A bancada feminina é um dos coletivos que mais tenho orgulho de fazer parte. Não sei dizer se há um tema que unifique todas nós, mas existem assuntos que unem 90% da bancada. Há deputadas eleitas com bandeiras antifeministas. Mas conseguimos juntar muita gente para ir ao Tribunal Superior Eleitoral e pedir a regulamentação do Fundo Eleitoral. E também olhar para uma reforma e pensar: “Isso aqui afeta as mulheres?”
Em levantamento feito pelo site Capitu, do Estado, a senhora disse ser contrária à descriminalização do aborto. Essa posição, associada ao fato de ter sido a favor do texto-base da reforma da Previdência, afasta a senhora da militância feminista majoritária?
Com certeza, a posição faz eu não estar em uma caixinha clássica. Mas eu não acho isso negativo. A gente tem de entender que o Brasil não está resumido a dois partidos ou a duas palavras. Tem espaço para todos, desde que o debate seja democrático. Sinto falta de uma centro-esquerda na Câmara e no Brasil. A gente estaria melhor se tivesse alguém disposto a falar de combate à desigualdade sem comprar todo o pacote de chavões e sem abrir mão da responsabilidade fiscal.