Um levantamento feito por um mestrando em linguística da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) apontou que, entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2022, foram feitos ao menos 45 projetos de lei em diversos estados do Brasil contrários a linguagem neutra e de gênero, visando a proibição em escolas e também em locais públicos como hospitais.
Os dados foram coletados para uma pesquisa sobre as diferenças entre linguagem neutra e linguagem inclusiva, realizado pelo mestrando Robert Moura Sena Gomes, que se identifica como pessoa não binária (quem não se percebe como pertencente a um único gênero).
O levantamento foi feito com base em projetos das Assembleias Legislativas e identificou 45 projetos de lei contrários à linguagem neutra – todos propostos por pessoas ligadas à direita ou à extrema-direita. Somente o Partido Social Liberal (PSL) propôs 16 projetos. Partido Liberal (PL), Progressista (PP), Partido Social Cristão (PSC) e Patriota também estão entre as legendas com mais propostas.
No Brasil, em 2020, 23 projetos de lei foram propostos sobre o tema; em 2021, foram 19 e, até fevereiro de 2022, dois projetos. Os estados com mais projetos de lei contrários à linguagem neutra são Santa Catarina (5 projetos), Rio de Janeiro (5 projetos) e São Paulo (5 projetos). Neste último, todos os PLs ainda estão em tramitação.
Os estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Rondônia também apresentaram propostas nesse sentido.
Cada vez mais comum nas redes sociais e entre membros da comunidade LGBTQIA+, a linguagem neutra tem como objetivo adaptar o português para o uso de expressões em que as pessoas não binárias (que não se identificam nem com o gênero masculino nem com o feminino) e/ou intersexo se sintam representadas.
“Quando essas pessoas tentam controlar a língua, elas não estão apenas tentando controlar como as pessoas vão falar, com a marcação de gênero ou não, é além do discurso. Essas pessoas que são contrárias buscam o apagamento de quem não segue o padrão cis heteronormativo. Então a gente costuma dizer que o discurso autoriza a discriminação, o apagamento de direitos, como o direito social de ter a marcação não binária em documentos”, afirma Robert.
Propostas
O projeto de lei 531/2021, do deputado estadual Gil Diniz (PL), por exemplo, veda o “uso da chamada ‘linguagem neutra’ em quaisquer comunicações oficiais ou extraoficiais, internas ou externas à administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes do Estado, autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público”.
Um outro exemplo é o projeto 703/2020 de autoria dos deputados Tenente Coimbra (PL) , Douglas Garcia (Republicanos), Carla Morando (PSDB) e Wellington Moura (Republicanos), que pede a proibição da “utilização da denominada ‘linguagem neutra’ por instituições de ensino da rede pública e privada e bancas examinadoras de seleções e concursos públicos em currículos escolares e editais, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas”.
Além da análise de projetos de lei, a pesquisa investigou também a construção do gênero neutro na língua portuguesa do Brasil, por meio de análises de textos escritos por linguistas profissionais (saber científico) e não linguistas (saber popular). Segundo a pesquisa, de um lado existe um controle religioso de discursos divergentes sobre a língua e, de outro, um posicionamento que vê na língua a possibilidade de representação e de luta por direitos.