As eleições municipais têm funcionado como estímulo para deputados destinarem emendas parlamentares a prefeituras de parentes. Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais as emendas identificadas pela sigla RP9, ou “emendas do relator”, os congressistas passaram a usar as RP8, ou “emendas de comissão”, para alocar recursos a seus projetos particulares.
Até a última semana, o governo federal programara pagar R$ 9,1 bilhões em emendas de comissão, garantindo o envio do dinheiro depois de esgotado o prazo determinado pela Justiça Eleitoral para essas transferências, o início de junho. Com a garantia dos recursos, as prefeituras e seus padrinhos poderão erguer palanques, anunciar e iniciar obras a tempo de conquistar votos para prefeito e vereador.
A maior parte dos recursos foi alocada em fundos estaduais e municipais de saúde e para o custeio de hospitais, medidas defensáveis. Mas ainda restou R$ 1,7 bilhão para obras, eventos e aquisição de equipamentos de toda sorte. Famílias de deputados têm sido agraciadas com emendas de parentes sem constrangimentos. O laço familiar é até exaltado nos palanques.
A segunda cidade mais beneficiada foi Patos, na Paraíba, que recebeu R$ 17,6 milhões para ampliar o Terreiro do Forró, por meio de uma emenda aprovada na Comissão de Turismo da Câmara. O prefeito Nabor Wanderley (Republicanos) anunciou a verba com estardalhaço nos festejos de São-João. O projeto será executado numa área de 100 mil metros quadrados, onde também serão construídas quadras esportivas, com aparelhos de ginástica e um “espaço pet”. O prefeito fez questão de informar que o responsável por conseguir o financiamento público do projeto foi seu filho, o deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB). O parentesco e o apadrinhamento serão lembrados aos eleitores no momento devido.
Ação em família
Outra ação em família transferiu R$ 11 milhões à Prefeitura de Tauá, no interior do Ceará, graças ao deputado Domingos Neto (PSD), filho da prefeita Patrícia Aguiar (também PSD). Desse total, R$ 3 milhões serão gastos no Festival dos Inhamuns, o Festberro, evento agropecuário em que há exposição de animais, leilões de gado, vaquejada, shows musicais, artesanato e gastronomia. Deve ser um acontecimento importante para a cidade e a região de Inhamuns. A questão é sua capitalização por um grupo político e familiar, financiada pelos cofres públicos. O dinheiro serve para fortalecer o controle político de clãs em cidades no interior das regiões menos desenvolvidas.
Também no Ceará, a prefeita Giordanna Mano (PL), de Nova Russas, na mesma região de Tauá, comemorou nas redes sociais os R$ 3 milhões recebidos por emenda da Comissão de Turismo da Câmara, graças ao deputado Júnior Mano (PL-CE), seu marido. Com os recursos, será executado o projeto de reforma da Praça da Rodoviária, que prevê até a réplica de um avião.
Essas são amostras de um País com carências urgentes em educação, saúde, saneamento básico ou infraestrutura, com um Orçamento apertado e em crise fiscal aguda, mas que gasta milhões para atender a interesses puramente paroquiais. No Brasil, a fatia orçamentária cujo destino depende apenas da vontade dos parlamentares não encontra paralelo no mundo. Passou da hora de um corte drástico nessas emendas, em benefício de políticas públicas necessárias e consistentes.