Sábado, 01 de março de 2025
Por Redação O Sul | 28 de fevereiro de 2025
Experientes diplomatas europeus afirmaram, reservadamente, à imprensa americana nessa sexta-feira (28) que jamais haviam visto um presidente dos EUA tratar um líder de país “amigo” da maneira como o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, o foi por Donald Trump e por seu vice, J. D. Vance.
O choque não se limitou à Europa, com declarações de apoio a Kiev pelos líderes de França, Alemanha, Espanha e Suécia, cada vez mais convictos de estarem sozinhos na contenção do expansionismo russo. Também está sendo assimilado por aliados históricos de peso, entre eles Canadá e Austrália.
Se alguém ainda tinha alguma dúvida, a imagem do líder ucraniano, convidado a se retirar às pressas da Casa Branca após a decisão de não assinar a proposta de Washington sobre o uso de minerais raros no país sem o que considera ser uma garantia real de proteção contra Moscou, e de um impressionante bate-boca público, selou o início de uma nova crise internacional, com direito a alertas do republicano sobre uma “terceira guerra mundial”. Interrompeu a discussão sobre um cessar-fogo que impeça mais perdas humanas. E ilustrou com incômoda mas necessária nitidez o despreparo e o perigo para o planeta da nova direção da maior potência global. Além de Zelensky, que enfrenta a invasão russa no campo de batalha há três anos, a diplomacia também foi expulsa da Casa Branca nesta sexta-feira pelo governo Trump.
É revelador observar no incômodo bate-boca público dessa sexta-feira as feições de um quarto personagem de peso na reunião. Se em alguns momentos Vance ri, de forma debochada, e Trump se dedica a punir o hóspede acuado como se este fosse um menino rebelde, o comandante da diplomacia americana se mantém calado, sério, sem reação. O senador Marco Rubio, que comanda o Departamento de Estado, era reconhecido por seus pares, inclusive os do Partido Democrata, como um defensor da parceria transatlântica que assegurou a paz na Europa nas últimas oito décadas, um político ciente da importância dos órgãos multilaterais pós-Segunda Guerra para o equilíbrio global e para os próprios EUA. Pois ele testemunhou, calado, o que foi batizado pela imprensa profissional americana de “desastre”.
A falta de protagonismo de Rubio bisou o silêncio dos senadores republicanos, que tiveram um encontro com Zelensky antes da conversa do ucraniano com Trump e dele saíram “convictos” de que um acordo seria assinado nesta sexta-feira. O único a falar após o “desastre” foi o veterano Lindsey Graham, escalado para apresentar a narrativa de que Trump e Vance ofereceram ao planeta – e aos eleitores americanos — uma “demonstração de força” contra a histeria do líder que se recusa a usar terno e gravata “até a guerra terminar”. Curiosamente, o senador da Carolina do Sul foi ecoado pelo ex-presidente russo Dmitry Medvedev, que celebrou o fato de “os EUA finalmente falaram a verdade na cara de Zelensky”.
Pesquisa do Pew Research Center divulgada há duas semanas mostrou a profunda divisão dos americanos sobre o envolvimento dos EUA no conflito desde a invasão da Ucrânia pela Rússia. Enquanto 47% dos que se identificam como republicanos consideram que o apoio a Kiev é “exagerado”, 62% dos democratas acham que é “correto” ou “ainda menos do que o necessário”. Em um país extremamente polarizado, como as urnas de novembro mostraram, Trump segue governando apenas para a base e com uma oposição decidida a deixar o volume muito mais baixo do que durante sua primeira temporada na Casa Branca. Aguarda-se trabalho que revele o que os eleitores independentes acharam do “ótimo material para televisão” [em frase do próprio Trump enquanto o reality show acontecia] desta sexta-feira.
Na semana passada, o oráculo democrata James Carville [que cunhou a frase “é a economia, estúpido”, para explicar a vitória de Bill Clinton em 1992 contra o então presidente George Bush, pai] afirmou que a estratégia democrata de oposição pontual e menos barulhenta a Trump 2.0 estava correta. Em sua bola de cristal, viu o governo Trump cair de maduro, sozinho, “pelos próprios erros, em até um mês”. O decano da análise política pode ter exagerado no calendário, mas o presidente dos EUA e seu vice deram hoje um senhor empurrão para, a depender do ponto de vista do leitor, profecia ou praga. As informações são do jornal O Globo.